17 de out. de 2009

Apocalíptico!


Em tempos em que a história é cada vez mais popular nas telonas, com produções ótimas, outras nem tanto, este Apocalypto irá marcar profundamente a história dos filmes e os filmes de história. Muito se comentou sobre a violência que é retratada no filme, sobre o modo como ele retrata a cultura Maia, como se fossem animais agressivos e sanquinários, e sobre possíveis erros históricos, como o fato de que ao chegarem no continente americano, a civilização Maia já teria desaparecido.


Comecemos pelo final, portanto. Sobre os erros históricos, creio que se eles acontecem, não comprometem o brilhantismo nem a história do filme. Dizer por exemplo que os Maias já teriam desaparecido quando da chegada dos Europeus na região não é verdade. Maias e Europeus tiveram contato sim. Apenas que o Império Maia, quando da expansão européia estava em decadência, ou seja, já não era o mesmo de antigamente. Por isto mesmo, as cidades Maias que restaram haviam intensificado os sacrifícios humanos para agradar aos deuses e conseguir que estes lhes devolvessem os dias de glória, fato este que é retratado no filme.

Aliás, neste aspecto, o filme dá um show. A caracterização da cidade Maia está excelente, retratando bem a arquitetura, o comércio e as construções da época, utilizando-se muito material humano e feitas com material calcário (as pedras brancas mostradas no filme). Nas artes também Mel Gibson acertou mostrando um pouco das esculturas, os adornos excessivos dos líderes, como uso de brincos, pulseiras, colares, máscaras e ornamentações as mais diversas. O lado guerreiro deste povo também é mostrado, como eles conquistavam os povos vizinhos e em que eles eram utilizados (a maioria vendido como escravos, outros utilizados nos rituais religiosos).

Mas é no lado religioso que o bicho pega mesmo. A reprodução de um ritual religioso de sacrifício humano é perfeita. A vítima era levada para o alto de uma das pirâmides, primeiro arrancavam o coração da pessoa, depois a degolavam e jogavam a cabeça do alto da pirâmide. É um ritual sangrento e para nós pode parecer selvagem, mas segundo a crença Maia, o sangue derramado podia aplacar a ira do deus Sol, responsável pelos dias difíceis por que passavam as cidades Maias.

Estes rituais aliás são um dos principais motivos para as críticas dirigidas ao filme. Muitos alegaram que ele retrata os Maias como selvagens, animais sem coração e sanguinários. Acho que tudo está no modo como olhamos uma cultura diferente. Hoje em dia, ao sabermos que em algumas culturas no mundo existem práticas como a mutilação feminina, ficamos horrorizados e chocados. "Mas como, em pleno século XXI podem ter pessoas que ainda praticam tais coisas", ficamos nos perguntando. Acontece que não entendemos o peso que a cultura tem nestes casos. Considerar um povo como selvagens só por terem práticas culturais que para nós são incorretas não está certo. Tendemos a ver o mundo sob a ótica da nossa própria cultura, julgando as outras segundo nossos valores, e assim podemos dizer: esta cultura é boa, esta não, são uns selvagens.

Mas a história não faz este tipo de coisa. A história não serve para julgar nem condenar o outro só por ele ser diferente, só porque fazem coisas que, para nós, são abomináveis. A história busca entender, entender o contexto histórico e os motivos destes povos realizarem tais coisas. E é assim que este filme deve ser encarado. O filme mostra uma guerra, um conflito entre dois povos diferentes, um tentando conquistar e escravizar o outro. Guerras, conquistas, escravizações já ocorreram na história aos montes. E ninguém tem notícias de que alguma delas tenha sido civilizada. Uma guerra nunca é civilizada. Nem hoje nem nunca. Mortes, assassinatos, estupros são comuns numa guerra. Se formos julgar os Maias pelas cenas de violência durante uma guerra, por matarem crianças e estuprarem mulheres, é o mesmo que alguém olhar para os horrores do Iraque hoje e dizerem que os cidadãos do século XXI eram cruéis, que nós matávamos crianças e estuprávamos mulheres.

Este não é o caminho para se entender e conhecer uma civilização. O mesmo acontece com os rituais religiosos. Os sacrifícios se baseavam na crença maia de que o sangue humano derramado podia aplacar a ira de seus deuses. Era a forma que eles tinham de agradar aos seus deuses. Antes de julgar e condená-los por isto, devemos tentar entender porque acreditavam nisto e não simplesmente rotular e julgá-los como animais. Como podemos considerar selvagens um povo que desenvolveu uma arte e arquitetura tão ricas, que conheciam a astronomia e matemática, além de terem uma língua escrita e sistemas de numeração bastate avançados?

E o filme mostra bem isto, todo o esplendor Maia é revelado diante de nossos olhos em uma brilhante ambientação e retratação da cultura Maia. Acho que poucos filmes na história conseguiram fazer uma reprodução tão fiel de uma cultura histórica. E nisto sabemos como Mel Gibson é detalhista, a começar pela lingua. Aliás, a violência mostrada no filme foi bem menor do que em seu primeiro filme, A Paixão de Cristo, e aqui também ela é justificável e se encaixa bem na história que nos é contada. Enfim, trata-se de uma obra-prima do cinema moderno, bem fundamentada e perfeitamente executada.

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