30 de mai. de 2018

A nova face do Anticomunismo

Desde 2013 temos acompanhado no Brasil a escalada de um forte sentimento contra as esquerdas, que se iniciou com as manifestações de junho de 2013, organizadas a partir da pauta do aumento do valor do transporte urbano em São Paulo, mas que logo resultaram num conjunto de manifestações difusas, sem lideranças e com pautas as mais diversas, inclusive pautas de direita como a queda do governo e a famigerada "intervenção militar". As lideranças políticas tentaram logo encabeçar as manifestações a seu favor, especialmente partidos de esquerda, como o PSOL e o PSTU, e movimentos de direita, como o MBL e o Vem pra Rua. Com o rechaço aos primeiros, foram estes últimos quem acabaram conseguindo agregar os movimentos que então surgiam, e passaram a pautar suas principais reivindicações através das redes sociais, principalmente através da canalização de um sentimento generalizado  contra a corrupção e os políticos.


Surgia assim um movimento de direita que inicialmente recusava a agenda político-partidária e se identificava através deste sentimento de anticorrupção, além de um profundo descrédito com toda a classe política. Das ruas, este movimento se espalhou pelas redes sociais em perfis diversos, que instalaram uma extensa e complexa rede discursiva, notadamente de direita. Entre os interesses desta rede, a luta contra a corrupção, que levava ao rechaço aos governos petistas - considerados como os grandes responsáveis pelos atos de corrupção no país - amparados ainda por uma ótica antiesquerdista e anticomunista. Tais movimentos, que conseguiram grande influência nas redes sociais, especialmente no Facebook e nos grupos de Whatsapp, estabeleceram uma grande rede, influenciando inclusive pessoas que, até então, não se identificavam como pertencentes ao espectro político da direita, mas que acabavam se identificando com a pauta anticorrupção.


O desdobramento de todos estes movimentos foi a proliferação de um discurso de criminalização da esquerda que ecoa até os dias de hoje. Tal movimento, impulsionado inicialmente pelo antipetismo, passou a agregar também um histórico sentimento anticomunista. A história do ocidente no século XX foi marcada pelos confrontos ideológicos contra o comunismo. Na década de 1950, nos EUA, foram célebres as perseguições aos comunistas pelo movimento Macartista (termo derivado do nome do senador Joseph McCarthy, o principal líder da patrulha anticomunista na época). No Brasil, o comunismo nasceria oficialmente em 1922, com a fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), e teria seu auge com a Intentona Comunista de Luís Carlos Prestes, em 1935. Mas a perseguição aos comunistas também deu as caras por aqui, e teve seu auge em 1947 quando o TSE caçou o registro do partido e o mandato de seus deputados que haviam sido eleitos.

Vemos assim que o medo do comunismo faz parte de nossa história, e irrompe com mais força em tempos de crise. Isto é claramente o que estamos presenciando no momento em que diversos discursos emergem, e não só no âmbito da política. O discurso anticomunista ressurge inicialmente como um discurso de combate à corrupção, passando a sua associação ao partido então no poder - PT, conhecido por ter iniciado sua carreira política como defensor do comunismo - e se transfigurando em um discurso antipetista. Apesar dos governos petistas não se caracterizarem como um governo de esquerda, mas sim de centro, o discurso antipetista ainda o enxerga como sendo um governo de esquerda, adeptos do comunismo. Segundo Santos Júnior, que pesquisou esta rede antipetista no Brasil, isso pode ser explicado da seguinte forma:

[...]  o  partido  deixou  características  sectárias,  em  função  de  seu  processo  de evolução  organizacional  para  partido catchall ou  profissional-eleitoral.  Com isso,  o  PT  expandiu  seu  território  de  caça  para  além  da  base  fundadora,  social-trabalhista,  aproximando-se  de  grupos  de  interesse  formados  por  empresários  e, até  mesmo,  conservadores.  Contudo,  esta  guinada  institucional  é,  em  certa medida,  minorada  pelos  antipetistas.  O  discurso  antipetista  que  vigorou  na eleição  de  2014  resgata  interpretações  históricas  que  remetem  à  fundação  do partido  e  seu  cunho  socialista,  ignorado  as  políticas  liberais  desenvolvidas.  Por isso,  argumentamos  que  o  antipetismo  faz  um  revisionismo  histórico  e  resgata “fantasmas  do  passado”,  adaptando-os  ao  contexto  político  recente  (SANTOS JÚNIOR, 2016, p. 58).

Tais redes discursivas continuaram atuando após as eleições de 2014 e foram decisivas no processo de Impeachment da presidenta Dilma em 2016. Após a queda do Partido dos Trabalhadores (PT), perdendo a presidência e tendo seu reduto eleitoral drasticamente reduzido, o discurso antipetista vai se convertendo cada vez mais em um discurso anticomunista. No entanto, este anticomunismo não re restringe mais apenas ao viés político partidário. Nos discursos que emergem das redes sociais e de personagens comuns no Brasil, o comunismo aos poucos foi sofrendo uma lenta ressignificação. Comunismo, como qualquer estudante de ciências políticas bem sabe, "é uma ideologia política e socioeconômica, que pretende promover o estabelecimento de uma sociedade igualitária, sem classes sociais e apátrida, baseada na propriedade comum dos meios de produção" (Wikipédia). Suas origens são remotas, e podemos afirmar que ideologias de fundo comunistas sempre apareceram em vários momentos históricos. Mas foi com Karl Marx e Friedrich Engels em 1848 que a versão moderna deste conceito se cristalizou, a partir do lançamento da obra "Manifesto do Partido Comunista".

No entanto, o uso comum do termo comunismo no Brasil está distante de ser considerado apenas com este sentido político. A ressignificação do termo colocou-o sob novas bases conceituais, saindo do campo político e adentrando diversos aspectos sócio-culturais. Basicamente, hoje o termo comunismo é associado a um conjunto de agendas progressistas que emergiram nos últimos anos, coincidentemente durante os governos petistas. Entre estas agendas, quase todas promovidas por grupos minoritários social, política e economicamente, podemos destacar os movimentos negro, feminista e LGBT. Apesar dos governos petistas terem tido uma atuação mais próxima da direita no campo econômico (sendo inclusive acusados de neoliberais pelos esquerdistas mais radicais), tiveram alguns pequenos avanços no campo social, como a adoção de políticas afirmativas para negros, especialmente as Cotas em Universidades, o avanço nos debates sobre violência contra a mulher e a tentativa de implementação de ações anti-homofobia, como a adoção de material didático que esclarecia sobre direitos LGBTs nas escolas, o famigerado "kit-gay", que apesar de ter sido barrado, tornou o PT conhecido por defendê-lo.

Tudo isto faz com que o termo comunismo, antes restrito à arena política, agora seja associado a um conjunto de políticas de âmbito social-progressistas. Tais associações são sugeridas por lideranças do espectro político conservador, capitaneados por Olavo de Carvalho. Olavo, que é considerado uma espécie de guru espiritual da direita brasileira, há tempos vem produzindo material em que associa o comunismo não mais apenas a um projeto político, mas também cultural. Este entendimento tem sua origem no termo "marxismo cultural" utilizado por alguns pensadores estadunidenses para se referir a estes novos movimentos de esquerda a partir da década de 1990. Segundo eles, o marxismo cultural teria se originado com a Escola de Frankfurt, um grupo de novos marxistas que passam a escrever, entre outras coisas, sobre a indústria cultural e suas influências. O objetivo final do marxismo cultural seria se infiltrar nas instituições ocidentais com o fim de destruir a cultura ocidental e seus valores cristãos. Esta teoria conspiratória, difundida inicialmente por pensadores conservadores como William Lind e Pat Buchanan, é assimilada e difundida no Brasil por Olavo de Carvalho.

Os espectros desta teoria chegam até os cidadãos comuns de forma bastante fragmentária. Longe das academias e das análises teóricas, as redes sociais são inundadas por textos que repercutem ideias que atribuem a qualquer luta por igualdade a pecha de "coisa de comunista". Assim, lutar contra o racismo, pela igualdade da mulher ou pelos direitos homossexuais acabam se tornando não políticas humanitárias que dizem respeito a diferentes grupos independente do viés político, mas exclusivamente agendas de grupos de esquerda, logo, comunistas. A própria noção de "direitos humanos", criados para garantir direitos e igualdade entre todos nós, acaba sendo apropriado e associado a políticas de esquerda, especialmente por se acreditar que servem para "defender bandidos", como os grupos conservadores gostam de propagar.

No Brasil, estas ideias que associam políticas progressistas ao comunismo encontram ainda maior campo fértil devido ao predomínio da ortodoxia cristã, em sua maior parte com um viés bastante fundamentalista. O fundamentalismo religioso está por trás, em grande medida, dos discursos conservadores. Basta observar que todo discurso que pretende denunciar o "comunismo" implícito nas lutas de negros, mulheres e homossexuais, está assentado na ideia de que tais movimentos querem "destruir a família, a moral e os bons costumes". Aqui, há um misto de fundamentalismo religioso cristão com ultranacionalismo patriótico, resultando num discurso conservador que atribui a tudo aquilo que discorda de sua visão de mundo a pecha de "comunista". As próprias universidades, especialmente os cursos de ciências humanas, são vistos como antros do comunismo, acusados de doutrinarem nossos jovens para a prática do comunismo e outras obscenidades, o que acabou resultando inclusive em um movimento político que tenta acabar com essa doutrinação ideológica de esquerda nas escolas, o chamado "Escola sem Partido".

Podemos concluir que este é o perfil dos nossos conservadores atualmente: cristãos, nacionalistas, avessos a qualquer tipo de debate (afinal debater é coisa de comunista), especialmente sobre temas que envolvam luta por igualdade de grupos minoritários. Longe de saberem o que significa ou já significou o termo "comunismo", reproduzem análises de lideranças conservadoras como Olavo de Carvalho e o MBL, que teimam em atribuir qualquer pauta progressista a uma agenda de esquerda para implantação do comunismo no Brasil, se traduzindo em um neo-macartismo que se dissemina cada dia mais pelas redes sociais.

Um comentário:

  1. Os preceitos "sociocomunistas" jorram tanto sangue que qualquer coisa que se diga diferente torna-se aceitável.

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