A Copa do mundo é com certeza um dos eventos esportivos mais visados do mundo. A competição atrai os olhares do mundo todo, até de países que normalmente não tem tanta tradição assim no esporte. É a época em que a imprensa de todo o mundo atrai seus olhares para este esporte na busca pela melhor informação. Até alguns anos atrás, estávamos acostumados a ver a TV e as grandes corporações de mídias pautarem os debates em um evento como este e serem responsáveis por dar a palavra final na construção das principais narrativas e discursos que seriam lembrados pela história. Mas, desde a Copa de 2014, um novo personagem entrou em cena: as redes sociais. Estas foram responsáveis pela irrupção de novas narrativas e pela quebra da hegemonia da grande imprensa. E isto afetou o modo como nos relacionamos com os grande eventos e, principalmente, afetou a forma como os próprios jogadores são afetados pelas notícias.
O jornalista Paulo Júnior, do site esportivo Trivela, após o empate do Brasil contra a Suíça escreveu um interessante texto em que apontava um fato que estamos acostumados há muitos anos no Brasil: a percepção que a torcida brasileira tem dos jogos e das atuações do Brasil passa por um personagem emblemático: Galvão Bueno. É ele o responsável por, nos jogos do Brasil, nos passar suas impressões e opiniões a respeito do jogo, todas elas injetadas por um nacionalismo pachequista que o coloca não como simples narrador, mas um autêntico torcedor. É certo que muitos narradores fazem algo parecido, mas no caso de Galvão o clubismo beira níveis estratosféricos, com a consequência de que ele está sempre a procurar os culpados pela derrota da seleção, ignorando completamente qualquer razoabilidade. Este foi o caso do gol sofrido pelo Brasil para a Suiça, com um lance duvidoso de falta, que dependia muito da interpretação do árbitro, mas que Galvão exalta como se fosse um plano conspiratório para tirar o Brasil da competição. Tais teorias são complementadas por Arnaldo César Coelho, comentarista de arbitragem, que chega a cravar que a culpa pela não marcação da falta é da CBF que "está sem moral com a FIFA", insinuando que é o componente político extracampo que influencia o que os árbitros marcarão ou deixarão de marcar dentro de campo.
Pela alta audiência que possui a TV Globo, única emissora de TV aberta a possuir os direitos de transmissão da Copa, tais narrativas acabam pautando em grande parte o noticiário esportivo e influenciar milhares de pessoas no país. Foi assim em 2010 com a eleição de Felipe Melo como o grande vilão da derrota do Brasil para a Holanda nas quartas de finais, por exemplo. Mas nos últimos anos as redes sociais tem contribuído para quebrar o paradigma do discurso único e colocado novos ingredientes. As novas gerações cada vez mais utilizam a internet para se informar, e o uso da rede para ler notícias já atinge 66% dos brasileiros, segundo pesquisas. Além das notícias, a veiculação de piadas e os famosos "memes" acabam criando novas narrativas que, muitas vezes, chegam a pautar a grande imprensa, e não mais o contrário. O caráter anárquico e caótico deste tipo de comunicação, no entanto, acaba sendo um desafio tanto para a imprensa tradicional quanto para os envolvidos nela, no nosso caso aqui, os jogadores. Estes últimos tem se mostrado perdidos em meio à enxurrada de posturas e impressões que emergem das redes sociais e rapidamente chegam aos grandes veículos de informação.
Alguns casos nesta Copa demonstram bem estas novas relações. Uma delas diz respeito à própria seleção brasileira. No primeiro jogo da Copa contra a Suiça, o Brasil entregou uma atuação burocrática e não conseguiu mais do que o empate. Galvão logo saiu a procurar os culpados, e encontrou na arbitragem e no uso do VAR os culpados perfeitos para isentar a seleção. Enquanto isto, nas redes sociais, a narrativa principal dizia respeito ao protagonista da seleção. Neymar foi alvo de inúmeras críticas e virou o principal tema dos "memes" durante e após o jogo. Na pauta entraram desde o cabelo espalhafatoso até as inúmeras quedas do jogador, algumas por sofrer faltas outras por se jogar mesmo. O tom de crítica para com o comportamento do jogador em campo, que demonstrou irritação com marcações do árbitro, tentou simular pênalti e até xingou adversários durante o jogo contra a Costa Rica, foi exposto desde na forma de textos sérios até piadas e "memes", e ganhou tal proporção que até o staff do jogador, por meio de seu pai e empresário, veio a público para pedir apoio e que as críticas parassem. A percepção de que o jogador não consegue controlar seu emocional quando o time do Brasil não vai bem deu o tom das críticas, e acabou criando uma "guerra" nas redes sociais entre "antis" e "parças" de Neymar, como se viu pela fala de seu pai.
As redes sociais acabaram trazendo à tona a falta de preparo de jogadores e comissão técnica para lidar com a crítica. Se antes apenas a grande imprensa era responsável pela construção das narrativas a respeito dos jogos e do comportamento dos jogadores, e fazia isso de forma até certo ponto mais branda, agora irrompem das redes sociais na forma de criticas ácidas e debochadas. Qualquer pessoa que tenha acesso a um computador e internet consegue produzir conteúdo e reproduzi-lo, seja no twitter, facebook ou pelos grupos de whatsapp, fazendo com que os memes ganhem proeminência de forma rápida e quase instantânea. Qualquer coisa que os jogadores fazem em campo são motivos para serem impulsionados nas redes, criando-se uma legião de defensores ou detratores, dependendo do caso. Um outro exemplo da influência das redes sociais durante esta Copa foi o caso da seleção da Costa Rica antes da estréia, que foi alvo de um boato em grupos de whatsapp do país de que o time estaria sofrendo um "racha" do elenco e da insatisfação dos jogadores com o técnico. O boato chegou a tal proporção que foi alvo inclusive de uma coletiva de imprensa por parte dos costariquenhos para desmentir os boatos.
O mundo não é mais o mesmo. Temos percebido cada vez mais nos últimos anos o poder das redes sociais, que deslocaram parte do protagonismo na construção das narrativas e discursos, antes em poder apenas da grande mídia, para novos personagens. E o caráter anárquico, caótico e completamente debochado destas redes acabam amplificando e muito os comportamentos de determinados personagens. Foi esse o caso de Neymar que, pelo pouco futebol apresentado, aliado a um comportamento completamente destemperado dentro de campo, acabaram por fazê-lo cair nas "graças" da torcida, literalmente. Aprender a lidar com as redes sociais ainda vai levar um tempo, mesmo para as novas gerações. Neymar é jovem, se utiliza das redes sociais para se comunicar e construir sua imagem, e mesmo assim não soube lidar quando esta mesma internet que o idolatra acabou se virando contra ele, demonstrando irritação e se afetando pelas críticas. O novo formato de comunicação do século XXI impõe um grande desafio às figuras públicas, e levará muito tempo até que nos acostumemos a ela. Até lá seguiremos vendo cada vez mais os debates entre antis e parças, seja de jogadores de futebol, blogueiros, apresentadores e até de políticos.
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