Chegando o dia 20 de Novembro, dia da Consciência Negra, e nesta época são comuns surgirem análises e opiniões que acham desnecessária a data. O principal argumento, normalmente, fica no: "quando é o dia da consciência branca?", alegando que, se diferenciarmos o tratamento aos negros, isto é discriminação e portanto não estaríamos resolvendo o problema. Este é o mesmo argumento utilizado em relação a outras questões, como a política de cotas (por que não existem cotas pra brancos?), para a lei Maria da Penha (por que não existe uma lei para proteger o homem?), e outros.
O que há em comum em todas estas situações é a relação de poder historicamente instituída nelas, e ainda reproduzidas nos dias de hoje. A justificativa de termos situações específicas de favorecimento a determinados grupos sociais minoritários (minoritários não apenas no sentido quantitativo, mas em situação de minoria social, sem os mesmos direitos de todos, etc.) é que estes grupos estiveram e ainda estão em uma situação subalterna na sociedade. Racismo é, em suma, uma situação de poder, onde um grupo social dominante subjuga o outro, em situação de inferioridade. Lembrando que esta inferioridade não é absoluta, ela é construída social e ideologicamente.
Exigir uma igualdade de tratamento é válido e legítimo. Mas, enquanto esta igualdade de tratamento não for de fato, não podemos cruzar os braços e esperar que as coisas se resolvam por si só. Situações desiguais merecem soluções desiguais. A igualdade tem dois planos: o plano ideal e o plano real. Muitos destes discursos de tratamento igualitário invocam uma igualdade ideal: "brancos e negros são iguais, portanto não precisamos dar tratamento diferenciado a um dos grupos, isto é discriminação". Sim, isto é discriminação. Discriminar significa diferenciar, identificar. Quando tratamos um determinado grupo de forma diferente dos outros, estamos discriminando. Mas, apesar do termo ter tomado um sentido negativo em nossas mentes, nem toda discriminação é ruim. Existe o conceito de "discriminação positiva", que é quando o tratamento desigual visa reparar uma determinada situação de desigualdade já existente. Este é precisamente o caso dos negros e mulheres.
Como cobrar igualdade de condições, por exemplo, de acesso à faculdade, quando sabemos que a maior parte das populações negras hoje vivem nas camadas econômicas mais baixas e não tem condições de concorrer em igualdade com os filhos das elites que nasceram em condições privilegiadas, tem acesso a boas escolas, etc. E não adianta falar também que o problema é apenas econômico, pois um branco e um negro na mesma situação (moradores pobres de uma favela, por exemplo) são tratados de forma diferenciada. O branco é discriminado por ser pobre. O negro é duplamente discriminado, por ser pobre e por ser negro.
Portanto, a inversão do discurso não é válido. Já vi gente dizendo por exemplo: "porque eu chamar um negro de negão é racismo, enquanto eu chamar um branco de branquelo não é". É simples meu caro. A carga semântica atribuída ao branco não é a mesma atribuída ao negro. Ao branco não foi criada uma ideologia que o inferiorizava, dizia ser ele um ser sem alma, que podia ser escravizado, ideologia que tem ecos ainda hoje na nossa sociedade. Os dois termos (brancos e negros) não estão em situação de igualdade. Ao negro foi criada toda uma ideologia inferiorizante, enquanto aos brancos a ideologia foi contrária, de superioridade (vide os conceitos de raça ariana, nazismos, etc.). Cada um tem significados bem diferentes. Por isso é que se deve tomar muito cuidado com o modo como utilizamos os termos.
Por último, um outro detalhe da fala inicial que analisamos (de que tratar os negros de forma diferente é racismo), ela ainda inverte a questão, como se as ações afirmativas é que estivessem criando o racismo. O racismo já existe, ele está no nosso cotidiano. Mas nós preferimos fechar os olhos pra ele. Portanto estas medidas não estão criando o problema, o problema existe, é real e deve ser discutido, debatido e combatido. Não é se calando que iremos resolvê-lo. Não é fingindo que ele não existe. Ele não irá desaparecer sozinho, se simplesmente deixarmos de falar sobre ele.
Seria ótimo se de repente todos estivessem em pé de igualdade, fossem tratados de forma igualitária, independente de sua cor de pele, credo ou sexo. Mas infelizmente ainda não podemos nos dar a este luxo. Dizer que o primeiro passo para resolver o problema é não tratar as coisas de forma racializada é de uma hipocrisia tremenda, e está só no plano ideal também. No plano real, as coisas continuam sendo racializadas. Por isto é que não podemos dispor do conceito de "raça" ainda, mesmo sabendo que do ponto de vista biológico as raças não existam. Raça hoje é discutido no sentido social, é uma categoria social que agrupa os indivíduos historicamente discriminados. Portanto o que precisamos é falar mais sobre a questão. Discutir, debater, botar o dedo na ferida. Só assim conseguiremos avanços no combate ao racismo. o primeiro passo para resolver um problema, é reconhecer a existência dele. E nossa sociedade parece ainda negar a existência deste problema!
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