Ser mulher não é nem nunca foi fácil. Nossa geração vive um tempo de transição. Ao mesmo tempo que colhe os frutos daquelas que lutaram e se sacrificaram para tentar mudar a sociedade, ainda convive com o machismo e sexismo que impregna a muitos que se dizem "machos" por aí. A luta por igualdade entre os sexos perpassa por muitas questões e confusões, e facilmente podem ser confundidas com moralismos e afins.
Josey Aimes foi uma dessas mulheres que lutaram contra o sexismo e o machismo. Sua história é contada no filme Terra Fria,com Charlize Theron. Em fins da década de 80, Josey foi uma das poucas mulheres contratadas para trabalhar em uma mineradora no Minnesota, norte dos EUA. Com o tempo percebeu que o mais difícil não seria suportar o peso do trabalho duro. O pior seria aguentar o tratamento dos colegas, que ia desde xingamentos e piadinhas sexistas até agressões físicas, sem contar todo tipo de humilhações psicológicas e assédios. Após buscar todo tipo de ajuda possível sem sucesso, Josey resolve processar a empresa, no primeiro caso de processo de uma classe por perseguição sexual, e abre caminho para mudanças nas relações trabalhistas entre os sexos.
A mentalidade retratada no filme perpassa uma série de preconceitos e estereótipos, das mais diferentes formas. Começa com a desigualdade de direitos entre os sexos, a famigerada divisão sexual que tenta impor um lugar natural à mulher, ou seja, a casa e o lar. O discurso que não vê como legítima a presença feminina em determinados tipos de trabalhos, como numa mina. O outro discurso existente é o do sexismo: aquele que acha que toda mulher está a procura de um "macho", e o pior, de achar que este "macho" sou eu, e que isto me dá o direito de assediá-la, persegui-la e estuprá-la. E ainda por cima colocar a culpa nela, como se ela estivesse se insinuando. Discursos como estes existem ainda hoje, e deram origem por exemplo ao fenômeno da Marcha das Vadias.
De lá pra cá muita coisa mudou, com certeza. Mas bem menos do que gostaríamos. Ainda hoje a mentalidade de que ver uma mulher bonita nos dá o direito de assediá-la (não falo de tentar a sorte, conversar e tentar conquistar uma garota, mas sim de achar que a mulher tem a obrigação de ceder aos nossos caprichos, inclusive forçá-la se ela se recusar) é comum, e se disfarça de inúmeros adjetivos, que passa pelo moralismo que tenta rotular uma mulher independente como "vadia", bem como a possibilidade de culpabilizar esta mesma mulher como responsável por ser vista desta forma. Em nossa cabeça de machos neandertais, ver uma mulher de saia curta ou lingerie se exibindo na internet ainda nos faz vê-la como "vadia", infelizmente. Eis que o recado da Marcha das Vadias soa tão atual: se o fato de uma mulher querer ficar com quem quiser, na hora que quiser, e não na hora que o homem achar que é; se uma mulher gostar de se arrumar e se insinuar, o que não quer dizer que ela queira transar - talvez até queira, mas será com quem ela quiser e não com qualquer um; se tudo isso é ser vadia, então somos todas vadias.
O que vejo atualmente todos os dias é que nós homens (nossa sociedade ainda tem uma mentalidade de homem, o que afeta inclusive várias mulheres) não estamos preparados para lidar com nossos machismos. Nós continuamos rotulando e diminuindo nossas mulheres dia aós dia, às vezes até sem perceber. Nós as magoamos, as rotulamos, as traimos, e o pior, nos achamos no direito de fazer tudo isto. Às vezes até mesmo sem perceber. Mudanças são lentas e graduais, especialmente as de cunho culturais, comportamentais, psicológicas. Mas todo esforço é válido. E talvez seja hora de nos esforçarmos mais.
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