É cada vez mais difícil hoje em dia definir politicamente quem é de direita ou de esquerda, principalmente no Brasil. Após a queda do socialismo no mundo, regime que sempre ficou caracterizado como de esquerda em oposição aos capitalistas, considerados de direita, muitos passaram a afirmar que não existe mais esquerda ou direita. Vejo que os limites entre ambos talvez não estejam tão claros quanto no momento da Guerra Fria, em que as posições estavam bem demarcadas (os comunistas eram de esquerda e os capitalistas de direita), mas mesmo assim tais termos ainda fazem bastante sentido.
Historicamente, os termos de esquerda e direita surgem na Revolução Francesa. Os mais radicais, que queriam mudanças maiores na política e na constituição se sentavam à esquerda do rei, enquanto os conservadores sentavam-se à direita. Daí passou-se a associar o termo esquerda com os partidos que lutam por mudanças sociais, e o termo direita aos partidos conservadores. No século XX o termo esquerda passou a se associar também a diversos movimentos sociais e propostas de mudanças políticas, como o anarquismo, o socialismo e o comunismo.
A caça aos comunistas ao longo do século XX e principalmente após os anos 50, período de Guerra Fria, serviu para criar-se o imaginário negativo da esquerda no mundo. No Brasil, este medo desenfreado do Comunismo desembocou num golpe militar que deu origem à nossa Ditadura, momento em que foram perseguidos todos aqueles suspeitos de serem comunistas. O fechamento de partidos políticos e a suspensão de eleições fez com que a esquerda no Brasil fosse desmobilizada, só voltando a se constituir efetivamente de novo após a década de 80 e o fim do regime.
Quanto à direita, seu maior marco foram as discussões relativas ao liberalismo econômico realizadas a partir da década de 40, principalmente nos Estados Unidos. O liberalismo clássico foi uma teoria desenvolvida no final do século XVIII por economistas e intelectuais como Adam Smith, John Locke, Montesquieu e outros que defendiam a teoria do laissez-faire, ou seja, que o próprio mercado tende a se regular, não necessitando da intervenção do governo na economia. Após críticas, tais ideias foram durante muito tempo abandonadas, sendo retomadas no século XX com uma nova onda liberalizante.
A partir de década de 60 os debates sobre o liberalismo dão origem ao neoliberalismo, teoria que retoma o laissez-faire e a não intervenção do Estado na economia. Tais teorias foram retomadas pela chamada Escola de Chicago, um grupo de professores de orientação liberal e desembocaram no Consenso de Washington, espécie de cartilha de aplicação do neoliberalismo para os países "subdesenvolvidos" ou de "terceiro-mundo". Entre as políticas adotadas, estavam a não manutenção de empresas por parte do governo, resultando numa política de privatizações e incentivo às multinacionais. Foi a política adotada por exemplo pelo governo FHC, que acabou privatizando a maior parte do setor de serviços no Brasil, como as áreas de telefonia e energia, por exemplo.
Este modelo tinha por objetivo auxiliar os países pobres a se desenvolverem, fazendo com que houvesse um fluxo de dinheiro vindo dos países ricos. Mas o que aconteceu foi exatamente o contrário, pois uma marca da política liberal é que os ricos fiquem cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Até mesmo Marx teria errado neste sentido, ao acreditar que a acumulação de capital traria necessariamente a sua distribuição igualitária, e esta seria a raiz de seu regime comunista. Mas o que estes teóricos não perceberam é que se não houver uma intervenção, a tendência é que a concentração de riquezas nas mãos das parcelas mais ricas se acentue cada vez mais.
Após a chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder no Brasil muito se discutiu sobre estes termos. Pela primeira vez no Brasil, um partido político com origem na esquerda chegaria ao poder. Muito se criticou ao Lula e ao PT dizendo que ele já não seria mais de esquerda, mas sim de centro, um posição intermediária entre as duas linhas, mais branda portanto no sentido das reformas e mudanças sociais. Pode até ser que o PT tenha perdido muito de seu teor revolucionário do início, deixou de adotar o comunismo e o socialismo como bandeira principal, afinal não conseguiria se eleger do contrário. Mas de qualquer forma diferenças marcantes na forma de governar caracterizam este governo, e acho que elas podem servir para redefinir o que é ser de esquerda ou de direita no Brasil hoje.
A meu ver, a grande diferença entre um governo de direita e um de esquerda está nas prioridades adotadas pelo governo. Enquanto a direita deixa o mercado se regular e prega uma não intervenção do governo no mercado, mantendo alta a concentração das riquezas e aumentando significativamente a pobreza, a orientação da esquerda é exatamente a de adotar políticas públicas que visem amenizar a pobreza e provocar uma certa redistribuição de rendas, mesmo que para isto tenha que adotar políticas advindas da chamada social-democracia, uma orientação de governo nascida no seio do liberalismo e que visa, através de programas sociais, amenizar os efeitos devastadores do capitalismo e da livre-concorrência, fornecendo bolsas e incentivos para as parcelas mais baixas da população.
Os governos do PSDB e do PT no Brasil demonstraram bem isto. Enquanto no governo do PSDB os movimentos sociais eram criminalizados, a educação colocada de lado e a falta de políticas públicas que visassem o combate à pobreza, no governo do PT a orientação já foi totalmente diferente, com uma revitalização e ampliação do ensino superior através das universidades federais, programas de erradicação da miséria como o bolsa família, bolsa escola, etc., e uma negociação com os movimentos sociais, ou seja, um modelo de governo que leva em conta também as camadas baixas da população. Apesar da ala mais radical da esquerda ver estas políticas como uma política moderada, portanto de centro, ainda assim em relação à direita brasileira as diferenças são notórias.
Portanto esquerda e direita hoje são posições ideológicas que produzem modelos de governo diferentes. Enquanto uma governa para as elites, a outra, se não governa pelo povo, pelo menos tenta fazer com que a vida das camadas mais baixas melhore através de uma política econômica rígida e que tente promover uma certa redistribuição de renda. Pode não ser a esquerda que havíamos sonhado, mas pelo menos ela tenta promover mudanças e melhorias na vida do povo. E isto já faz toda a diferença.