Não, não se trata de uma frase dita pelo nosso mais célebre vilão do novo século, The Joker, mais conhecido no Brasil como O Coringa. Mesmo assim não deixa de ter a ver com sua visão distorcia da sociedade. Ou seria sua visão da distorcida sociedade? Pois se Watchmen e o Cavaleiro das Trevas tem algo em comum, é exatamente isto: uma visão distorcida de uma distorcida sociedade. A frase neste caso, dita por um super-anti-herói de nome O Comediante define bem o status de caos em que nossa sociedade mergulhou. Este é o clima do filme Watchmen, um retrato cruel de uma sociedade caótica, onde até os super-heróis são rejeitados e obrigados a acatar as leis.
O filme nos transporta para um novo universo, um universo onde pessoas comuns se tornam super-heróis, e super-heróis se tornam pessoas comuns. No começo temos um breve balanço dos mais importantes acontecimentos do século XX nos Estados Unidos, início que tem como objetivo nos recontar a história, agora aceitando-se o fato de que super-heróis realmente existiram. Vemos passar diante de nós a guerra do Vietnã, o assassinato do presidente Kennedy, a eleição de Richard Nixon até chegarmos à Guerra Fria e a tensão entre EUA e URSS. Em meio a tudo isto, vemos como estes super-heróis conviveram e influenciaram nestes fatos, muitos sendo mortos, outros presos e alguns até enlouquecendo, até chegarmos ao momento atual do filme, quando os últimos super-heróis restantes, proibidos de atuarem e sairem mascarados por uma lei, são obrigados a se esconderem por trás de suas verdadeiras identidades, e viverem vidas normais.
Mas uma série de acontecimentos insólitos os obrigam a voltarem à ativa para descobrir o que está havendo. O filme nos apresenta uma teia complexa de acontecimentos e personagens, e somos levados a conhecer cada um destes heróis a fundo. Este é um grande destaque do filme: seus personagens são densos, exóticos, não vemos aqui super-heróis super-perfeitos, mas vemos pessoas com problemas de relacionamento, de auto-estima, sensos distorcidos de justiça, enfim, pessoas normais, como eu ou você. Em uma das cenas mais fodas do filme, por exemplo, vemos um destes super-heróis tentando estuprar uma colega de trabalho. Em outra não menos emblemática, vemos este mesmo herói atirando em uma mulher vietnamita grávida que reclamava seus cuidados para com o bebê que iria nascer e que era filho dele. Sintomaticamente, trata-se do mesmo personagem que nos presenteou com a pérola que está no título deste texto. O Comediante é realmente uma piada... só que de humor negro. Por tudo isto ele é um dos personagens mais interessantes desta novela dantesca. Só perde para o sombrio Rorschach, talvez um dos personagens mais legais que já vi nos últimos anos.
Rorschach pode ser definido como um autêntico sociopata. Durão, sádico, violento, cruel, o cara não confia em ninguém, e tem um senso de justiça bastante peculiar. Em tempos de BOPE e grupos de extermínio, o cara é um prato cheio com seu lema de tolerância zero. É ele o responsável pela melhor cena do filme, quando investiga o sequestro de uma garotinha. Não vou contar o resto para não estragar a surpresa, mas o final da cena é de uma torpeza e crueldade ímpares. Mesmo assim nos sentimos aliviados ao vê-lo fazer justiça com as próprias mãos. É nesta hora que paro e penso que personagens como este sobrevivem e são alimentados por nossa própria sociedade. O Comediante estava certo. Ao ser perguntado pelo Coruja sobre o que aconteceu ao sonho americano, ele responde: "o sonho americano se realizaou, você está olhando pra ele". Nós somos o fruto do sonho americano, frutos do excesso de consumismo, da intolerância e do egoísmo neo-liberais. Nos comprazemos com a violência explícita e mais do que isso, nós a buscamos. Se isto valia como verdade já na década de 80, época em que o filme se passa, imagina agora.
Neste mundo de valores invertidos, um mal maior se aproxima. A guerra nuclear está próxima, e nossa única salvação está nas mãos do Dr. Manhattan, um cientista que após sofrer um acidente nuclear, se transforma num super-herói com poderes ilimitados. Trata-se de uma mistura de super-homem com Dr. Xavier: o cara voa, se teletransporta, move objetos com a força do pensamento, e é indestrutível, entre uma infinidade de outras habilidades. Cabe a ele salvar-nos da guerra nuclear que se projeta entre EUA e URSS, e a grande dúvida que fica é: será que ele quer nos salvar? À medida que o tempo passa, Jon, nome verdadeiro do Dr. Manhattan, vai cada vez mais se afastando da humanidade. Aos poucos ele vai deixando de se sentir humano, passando a desprezar seus semelhantes, chegando ao ponto de achar que sequer vale a pena salvá-los. Ao mesmo tempo, uma série de estranhos acontecimentos levam três dos mascarados a se unirem novamente para investigarem o que está acontecendo de errado. Logo eles descobrem um plano macabro protagonizado por um de seus ex-companheiros para acabar com a guerra nuclear, um plano tão brilhante quanto diabólico.
Neste ponto Watchmen se aproxima do Cavaleiro das Trevas. Nem sempre o heroismo é a atitude certa naquele momento. Às vezes a sociedade precisa de um vilão, precisa de alguém a quem possa botar a culpa, às vezes a sociedade precisa de um inimigo externo em comum para que ela se una e conviva em paz com seus semelhantes. Este é o sacrifício a ser feito, é o preço a se pagar. Não é uma questão de certo ou errado. Na vida não encontramos apenas o certo ou apenas o errado, não encontramos apenas o bem ou o mal. Na vida real eles se misturam, o bem e o mal estão juntos, e por vezes temos que passar pelos dois para chegarmos onde queremos. Esta é a mensagem final deste brilhante filme. Como diz o Dr. Manhattan no final, não trata-se de uma questão de aprovar nem de reprovar certas atitudes, mas apenas de entender.