14 de nov. de 2011

Porque é que não se junta tudo numa coisa só?


Vivemos em um mundo cada vez mais fragmentado e dividido. Tudo tem seu próprio lugar, sua hora e seu momento. Hora de trabalhar, hora de descansar, hora de dormir, de assistir filme, de beber com os amigos, de ir ao teatro. Tudo assim, um de cada vez. Teatro é teatro e show é show. Poesia é poesia e música é música! Até que um dia alguém resolveu fazer o questionamento acima: "Mas, peraí! Porque é que a gente não junta tudo numa coisa só?" Música com poesia, teatro com show. Assim nasceu O Teatro Mágico, formado em 2003 pelo ator, músico e compositor Fernando Anitelli.

A principal característica do grupo é exatamente a de unir nas suas composições a música com a poesia. Letras belíssimas dão corpo a excelentes canções que passeiam pelos mais diversos ritmos brasileiros, desde a MPB, o samba, baião, maracatu, frevo, o rock e a música circense. O resultado de toda esta fusão musical e poética não poderia ser outro: discos autênticos e altamente bem produzidos, além de um espetáculo único em cima do palco.

Ao ouvirmos seu primeiro disco, Entrada para Raros, lançado em 2003, percebemos a forte veia poética nas letras do grupo e uma influência principalmente do estilo que vem sendo classificado como nova MPB, calcado em artistas de renome como Lenine, Zeca Baleiro, entre outros, que tem por principal característica uma fusão de estilos e ritmos brasileiros. Nas letras, o grupo brinca com as palavras assim como brinca com os ritmos. Alterando o sentido de certas palavras, unindo palavras parecidas e às vezes até usando alguns chavões do imaginário popular, mas que aqui ganham novos sentidos nas músicas do grupo. 

O que mais impressiona é a riqueza de detalhes nas letras das músicas, verdadeiras poesias cantadas por Fernando Anitelli. Deste primeiro álbum destacam-se as faixas A Pedra Mais Alta, a belíssima Ana e o Mar, que conta a história de quando o mar se apaixonou por uma menina, e tem um dos refrãos mais belos que já ouvi, a música O Anjo Mais Velho e a excelente Zaluzejo, que vem em defesa da linguagem popular, reunindo uma série de palavras às vezes ditas erradas na fala popular e de ditados que persistem no imaginário popular, como dizer que manga com leite faz mal, e etc.

Todas estas características voltam com força em seu segundo álbum, lançado em 2008, intitulado O Segundo Ato, e que consegue ser tão bom ou até melhor do que o seu antecessor. Aqui o grupo passeia mais por ritmos mais regionais, como o samba, o baião, o frevo, maracatu, entre outros. Mas as letras continuam afiadas, cheias de trocadilhos inteligentes, chavões, ressignificações e etc. Ouça por exemplo a música O Mérito e o Monstro e repare nos trocadilhos com a letra m feitas, como as palavras Metrô, Metro, Termômetro, etc. A melhor música do disco no entanto se chama Sonho de uma Flauta, que logo no início já diz a que veio com os versos: "Nem toda palavra é / Aquilo que o dicionário diz" e a seguir passa a fazer uma série de comparações entre palavras e idéias, até chegar no belíssimo refrão, ouso dizer até que é um dos mais belos refrões que já tive oportunidade de ouvir, tanto na parte lírica quanto musical. 

Outra novidade deste CD são as participações especiais. Entre elas posso destacar a participação de Zeca Baleiro na música Xanéu N° 5, uma das letras mais inteligentes do grupo, que conta a história de um sujeito que viu sua TV criar vida, se revoltar e passar a assisti-lo ao invés do contrário, numa crítica consciente e bastante inteligente à alienação promovida por este veículo de comunicação. O grupo já está em seu terceiro disco, lançado este ano e disponibilizado integralmente para download em seu site, atitude que demonstra seu compromisso com o público e com a arte livre. E é assim, com críticas e poesias, misturando opostos e dispostos, alterando significados e sentidos que o grupo O Teatro Mágico nos dá seu recado, sempre acompanhados por belos ritmos, às vezes suaves, outras vezes nervosos, mas sempre belos.

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