23 de mar. de 2014

A direita raivosa mostra sua face

Esta semana pudemos acompanhar pelos noticiários um movimento que tentava reeditar um momento ímpar de nossa história: a chamada Marcha da Família com Deus. Movimento apartidário, que tem por objetivo reunir pessoas que defendam os valores morais da família cristã (leia-se: contra o homossexualismo) e que sejam contra o "comunismo" e os partidos de esquerda, especialmente o PT que está no poder. Como solução para o problema, eles tiveram uma ideia genial, que inclusive já deu certo no passado (?): uma intervenção militar no Brasil, para tirar o PT do poder, dissolver os partidos e chamar novas eleições somente com pessoas "ficha limpa". 


O que esta ideia parece para qualquer pessoa com um mínimo de leitura é que os tais organizadores da marcha perderam o bonde da história. Devem ter faltado à aula sobre a ditadura militar, tanto é que chegam a negar as torturas e toda a violência simbólica deste período, fatos que podem ser comprovados por qualquer historiador. Felizmente a Marcha foi um fracasso de público e um sucesso de crítica: 06 pessoas em Recife, 06 em Goiânia, 09 em Natal, 20 em Belém, 50 em Fortaleza, 50 em Belo Horizonte. Apenas São Paulo e Rio de Janeiro tiveram uma adesão maior, de 200 pessoas pelas contas do Jornal do Brasil, 700 pelas contas da Folha e mil pelas contas da Veja (o interessante é que no link da Veja o número original era de 500, depois atualizaram pra mil na matéria). Mesmo assim um número muito pequeno diante das 500 mil pessoas que compareceram à marcha em 64. Só pra se ter uma ideia, a Marcha Antifascista, organizada por pessoas contrários às ideias da Marcha da Família conseguiu reunir mil pessoas em São Paulo, número maior do que a média divulgada pela imprensa para a outra Marcha. 

É sintomático que em pleno 2014 ainda haja gente que queira voltar aos tempos da ditadura. A crença de que uma intervenção militar seja "menos pior" do que a atualidade sobrevive a todo vapor no imaginário destes, a ponto de fazê-los se manifestarem por um regime que, se imposto, proibiria qualquer tipo de manifestação. Ou seja, protestam contra o próprio direito de manifestarem. Tais crenças vem aliado a um ódio profundo dos movimentos sociais, dos movimentos de "esquerda", e mais especificamente do Partido dos Trabalhadores (PT) e suas poucas reformas sociais implantadas. Isto aliado aos casos de corrupção descobertos no governo cria o cenário ideal para instaurar um imaginário de caos no país. Daí que os membros desta "direita" nascente, despolitizados e pouco instruídos politicamente (os Hommers Simpsons) acabam sendo presa fácil nas mãos dos intelectuais e políticos de direita, que ao criar este imaginário de caos, conseguem convencê-los que a única saída para acabar com a corrupção no país seria uma intervenção militar. Felizmente, a julgar pelos números da marcha, poucos estão dispostos a marchar por isto. 

Uma outra características dos hommer simpsons conservadores é seu caráter instável, pouco afeito a aceitar opiniões contrárias, reagindo de forma muitas vezes violenta quando contrariados. Na própria Marcha tivemos inúmeros exemplos de pessoas agredidas por serem confundidos com pessoas contrárias à causa por eles defendida. Num destes casos, um senhor aposentado foi agredido e expulso da Marcha apenas porque trajava calça e tênis vermelho, cor associada ao comunismo e ao PT, como relata reportagem do Portal Terra

Houve tumulto já na praça da República. Manifestantes se insurgiram contra pessoas que acusaram de ser "comunistas" ou "petistas". Um aposentado que usava calça e tênis vermelhos foi expulso da marcha, pois, segundo seus algozes, seria do PT.

Em outro momento da Marcha, um grupo de jovens vestidos de preto que se dirigiam para o show do Metallica, e (pasmem), o pessoal da Marcha achou que eles eram Black Blocs, e os mesmos foram hostilizados de forma violenta e quase apanharam: 

Nas proximidades da rua Xavier de Toledo, eles cruzaram com jovens vestidos de preto, que se encaminhavam para o show da banda Metallica. Confundidos com black blocs, os jovens, que seguiam para a estação de metrô Anhangabaú, foram xingados de "lixo" e quase apanharam.

Tais situações seriam cômicas, se não fossem trágicas. Demonstram como estes grupos conservadores se mostram raivosos e violentos frente a seus opositores. Ali não há possibilidade para diálogo nem debate de ideias. É sintomático que pessoas que dizem defender a família e valores cristãos ajam de forma tão violenta e tão contrária ao que sua própria religião prega, agindo de forma violenta contra os que consideram inimigos. Até em redes sociais muitos que defendem estas ideias não demonstram o mínimo de razoabilidade, e ao invés de debater, na maioria das vezes partem para os xingamentos e humilhações quando vêm alguém compartilhando ideias contrárias às suas. 

Não é a toa que tais grupos tenham como representantes o deputado Jair Bolsonaro (que persegue homossexuais e defende a volta da ditadura no país) e os grupos de evangélicos (como Márcio Feliciano, que volta e meia se alia a Bolsonaro contra o que considera uma "promiscuidade" reinante no Brasil, se referindo aos comportamentos homossexuais). Há uma óbvia relação entre todos estes grupos: o fundamentalismo. Todos eles consideram estar com a verdade absoluta, e a partir desta verdade, se sentem no direito para demonizar e perseguir todos aqueles que pensam de forma diferente. Neste caso, o "pensar diferente" (ou seja, defender homossexuais e direitos humanos, por exemplo) é para eles um sintoma de que estamos contra as pessoas de bem, contra a moral e os "bons costumes" que eles querem manter. Por "moral e bons costumes" se esconde toda sorte de preconceitos: racismo, machismo, homofobia. Bolsonaro por exemplo já deu mostras destes tipo de pensamento em várias de suas declarações. Uma das mais polêmicas foi quando respondeu a uma pergunta de Preta Gil no programa CQC, em que associava de uma só vez negro e homossexualidade com promiscuidade, batendo o recorde de conseguir ser racista e homofóbico de uma vez só. 

É uma lástima que pessoas assim ainda tenham voz na política. Mas isto faz parte da democracia. Felizmente, como demonstrou o fracasso das recentes marchas pelo país, o número de apoio destes discursos parece estar diminuindo sensivelmente, o que ainda nos deixa alguma esperança de que, com mudanças na educação, as futuras gerações tenham uma mente mais aberta à diversidade. Ou, se não tiverem, que pelo menos consigam debater ideias sem partir para a violência. 

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