Já ouvi muita gente dizendo que o programa Esquenta, da Regina Casé, promove uma glamourização da vida na favela. Muitos dos que são contra o programa são, inclusive, militantes assíduos dos movimentos negros e sociais. A contenda em torno do que seria "benéfico" ou não no discurso ao tratar de temas, digamos, polêmicos é uma constante para quem lida com estes temas. Desde a graduação me dedico a pesquisar sobre alguns deles, e o que posso dizer é que muita coisa ainda incomoda no modo como a mídia trata questões como o negro no Brasil, políticas de ações afirmativas, a pobreza, a favela e outros. A estereotipagem em muitos casos acaba sendo inevitável.
Neste ano pude acompanhar praticamente todos os programas dominicais da Regina Casé até agora. O de hoje (20 de Janeiro) foi o que mais me agradou até agora. Entre os convidados de sempre (músicos, dançarinas, pessoas comuns da favela), eis que surge o secretário de segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame. Entre os temas discutidos, o foco, claro, foi o processo de pacificação que as favelas cariocas vem sofrendo nos últimos anos, com a instalação das UPPs. O secretário falou das dificuldades, dos acertos e dos erros da polícia nas ações e do que ainda precisa ser melhorado. Apesar de apontar as melhorias da vida das comunidades, atestadas pela própria população em entrevistas, os moradores das favelas também fizeram denúncias e cobranças, a respeito principalmente do abuso de autoridade por parte de alguns policiais e do impedimento à realização de bailes funks e sambas nas comunidades. Tema bem discutido, mostrando o que melhorou mas sem se furtar às críticas necessárias.
Tudo isto, como é de costume no programa, em meio aos sambas, funks, dançarinas, piadas e etc. O Esquenta é assim, temas sérios tratados ao lado de festa e música, afinal, é um programa de entretenimento. O que mais deve incomodar à classe média brasileira é ver pobres, pretos e favelados na sua televisão. Ainda não nos livramos de um certo ranço coronelístico que costuma associar felicidade à itens de consumo das classes altas: morar em mansões, ter carro do ano, etc. Este acaba sendo nosso ideal de vida boa e felicidade. No lado oposto, favela e pobreza são associados apenas a penúria e sofrimento. E muitas vezes não é bem assim que as coisas são.
O que o Esquenta tenta fazer é exatamente educar nosso olhar. Ninguém quer afirmar que as favelas são um paraíso e que tudo ali é lindo. Em nenhum dos programas que eu assisti este ano há este tipo de discurso. Pelo contrário, há sempre as críticas e levantamento do que precisa ser modificado. Mas, ao contrário do que a mídia costuma fazer, de mostrar apenas o lado feio de se morar nas comunidades, o programa tenta mostrar também coisas boas, e que é possível ser feliz sim, morando na favela. O programa de hoje por exemplo foi emblemático neste sentido. Eu sempre lia as notícias sobre violência, tráfico de drogas e balas perdidas na favela e me perguntava: mas porque as pessoas continuam morando nestes lugares e se submetendo a isso?
Foi quando comecei a reparar no mundo a minha volta. Já perdi as contas de quantas vezes fui assaltado nos arredores do bairro em que moro, um bairro de periferia da cidade de Goiânia, uma cidade aparentemente pacata. Os noticiários recentes apontam um aumento da criminalidade, arrastões em bares e restaurantes, assassinatos de mendigos e outras. Então, será que eu estou tão longe assim desta violência das favelas? Outro ponto a se analisar: jogadores de futebol, artistas, cantores, que vieram da favela e não conseguem sair de lá, sempre voltando pra festas e coisas do tipo. Isto mostra que lá não pode haver apenas coisas ruins. É como diz a música de um dos meus grupos de Rap preferidos, o Z'África Brasil: "Quem disse que na periferia não dá pra curtir?"
Achar que o ideal de vida das pessoas é querer morar nos condomínios de luxo e bairros nobres é besteira. Eu não quero, cresci num bairro periférico de Goiânia e não troco ele por nenhum outro. Assim como alguém que cresceu numa favela provavelmente não irá querer morar em outro lugar. É ali que ele criou suas referências, que ele criou sua identidade. Portanto, o que estas pessoas querem não é sair da favela. Mas é torná-la um lugar melhor pra se viver. Com menos violência, mais liberdade. E assim elas poderem continuar sua vida sem o medo do que vai acontecer amanhã ou depois. E é isto que o Esquenta busca resgatar: mostrar um certo tipo de cultura oriunda das favelas, das comunidades e que, apesar da violência e dos problemas sociais, consegue sobreviver e levar alegria ao povo.
Ninguém nega que os problemas estão lá. Ninguém quer escondê-los. Mas não é só isso que lá existe. Só queremos mostrar um outro lado da história. Discutir o que deve ser discutido e exaltar o que deve ser exaltado. Compreendo que muitas das críticas venham da aversão de ver pobres, negros e favelados sambando na televisão. A proximidade da classe média com esta nova classe C a incomoda. Mas por isto o programa é importante, por educar nosso olhar, por nos convidar a uma tentativa de deixar a visão negativista das favelas de lado e se abrir para outros aspectos. É um pouco do que acontece com o continente africano. A mídia só passa os problemas, a miséria e as guerras no continente. E a maior dificuldade de nós professores é desconstruir esses estereótipos e mostrar que o continente africano é muito mais do que apenas problemas.
Problemas todos nós temos. Em nossa cidade nós também os temos. No entanto ao falarmos do lugar onde vivemos tendemos a falar de uma forma positiva. Porque com os problemas dos outros então temos que ser tão duros? Como se, pelo fato de haver problemas no mundo, não pudéssemos cantar, festejar, fazer churrasco no fim de semana, até que os problemas fossem resolvidos. A vida já é dura o suficiente pra mantermos esse tipo de discurso. Portanto deixemos os problemas para os telejornais, que já fazem muito bem o papel de exaltá-los, e busquemos o que há de melhor na vida. Seja ela onde for!
Não há dúvida que existem pessoas de bem na favela. Aliás, arriscaria dizer que a maioria delas são pessoas de bem. Entretanto, é inegável o fato de que a favela não é aquilo que se espera no desenvolvimento de uma sociedade. O surgimento da favela é sinal da existência de problemas sociais, econômicos e políticos. Não é normal as pessoas viverem em favelas. O normal é todas terem acesso a um padrão minimamente digno de vida. A impressão que eu tenho é que as pessoas usam esses programas como um forma de tapa-sol, um forma de varrer a sugeira para debaixo do tapete. Faz-se vista grossa à existência das favelas, e de certa forma, tenta-se glamourizar a vida lá. O certo seria a eliminação completa da favela, a criação de moradias dignas. A favela é perigosa, pois lozalizam-se geralmente em terrenos perigosos (haja visto as tragédias em todo o período de chuvas do Rio de Janreiro). A favela é perigosa pois o crescimento desordenado, e as vielas de difícil circulação, impedem o acesso do estado. A favela é insegura e refúgio para bandidos. A favela cria problemas para toda a sociedade. É foco de corrupção (é muito mais fácil comprarum favelado numa eleição do que um cidadão com um padrão de vida melhor), é foco de violência, é um sumidouro de dinheiro público. A cada tragédia natural, ou mesmo incêndio, milhões de Reais de dinheiro do contribuinte são direcionados para estas regiões da cidade. A manutenção das favelas é uma aberração que é permitida e com esses programas até incentivada, somente em países atrasados e corruptos. O programa de TV mencionado não diz explicitamente que a favela é excelente, inclusive critica as condições em que as pessoas lá vivem, mas tenta sim glamourizar a imagem da favela, mostrando que as pessoas "podem ser felizes vivendo na favela". Ninguém deveria viver desta forma.
ResponderExcluirAchei a intenção do texto boa, porém o olhar dado à questão foi simplório. No mundo da Globo, tudo sempre está bem: ricos e pobres, juntos, celebrando esse maravilhoso país chamado Brasil em produtos televisivos como o "Esquenta!", o qual promove em forma de farsa uma falsa aproximação de classes que dura apenas o tempo que dura o programa, com o discurso hipócrita de "dar voz para quem nunca teve voz" quando, na verdade, o objetivo é culturalizar a miséria (ser pobre é lindo!) e incentivar a formação de sujeitos sexuais, rebolativos, sorridentes, satisfeitos com sua própria condição e, sobretudo, apolíticos.
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