A classe média descobriu o rap, estilo marcado pelas reivindicações e críticas sociais das classes mais baixas. E o rap se travestiu para agradar a este novo público. Bom, isto é um ponto de vista. Eu prefiro dizer que o rap cresceu, evoluiu, incorporou novas musicalidades e novas tendências, se tornou mais contemporâneo e cosmopolita. Prova disto são os recentes trabalhos de dois sujeitos que estão se tornando os ícones do estilo no momento: Emicida e Criolo, que ganharam tudo o que podiam e não podiam no último VMB.
Mas também não é pra menos, já que o último trabalho de Criolo, Nó Na Orelha, é um dos melhores trabalhos de música que já ouvi. O álbum transcende o rap e o hip hop e incorpora outros estilos, aliando as letras ácidas características do estilo com melodias dançantes e bem construídas. Logo na música de abertura dá pra sentir isto, ao ouvirmos "Bogotá", melhor faixa do disco e que traz na melodia nada mais nada menos que uma homenagem a Fela Kuti, um dos maiores africanos musicistas do mundo.
Mais lenta, mas nem por isso menos expressiva, está a faixa "Não Existe Amor em SP", uma baladinha com uma das letras mais bem feitas que já vi, que descreve perfeitamente a cidade de São Paulo. Veja por exemplo este verso: "São Paulo é um buquê. Buquê são flores mortas, num lindo arranjo". A crítica à frieza da vida na capital paulista é notável, e só quem já morou nesta selva urbana entende do que ele fala. A música afro-brasileira também está aqui representada na música "Mariô", cujo título faz referência a uma folha utilizada nos terreiros de Umbanda e Candomblé, e que traz em seu ritmo as batidas das músicas de terreiro.
Nosso passeio musical continua, e o próximo a ser homenageado é o bolero, com a música "Freguês da Meia Noite". À primeira audição a música parece deslocada, mas quando nos acostumamos com ela, entramos na brincadeira e passamos a admirar a proposta do músico em sua homenagem a grandes cantores como Nelson Gonçalves e outros. E como estamos falando e Brasil, o Samba não podia faltar. Ele está presente no encerramento do disco, com a música "Linha de Frente", um sambinha que descreve a vida das crianças no morro (e no tráfico) utilizando a Turma da Mônica, sim, aquela mesma de Maurício de Souza.
Com tudo isto, Criolo mostra que a crítica social, marca do rap e hip hop nacional, ainda continuam vivos, mas agora ganharam nova roupagem e novas musicalidades, deixando pra trás as batidas contínuas e sem variações e ganhando uma injeção de novos sons e estilos. Quem sabe agora que surpresas virão por aí.