9 de out. de 2011

O Curioso Filme de David Fincher



David Fincher é um diretor surpreendente. Vez ou outra ele aparece com uns filmes que marcam. Foi assim com Seven, um suspense policial brilhante de tirar o fôlego, e com um enredo dos mais macabros. Foi assim com o Clube da Luta e sua crítica existencialista ao sistema e às neuroses da vida pós-moderna. E recentemente ele nos brinda com talvez o que seja a grande obra-prima de sua carreira. Estamos falando de O Curioso Caso de Benjamin Button, que estreiou nos cinemas brasileiros em 2009. Não é a toa que o filme recebeu 13 indicações ao Oscar, incluindo a de melhor filme, melhor diretor para Fincher, e melhor ator para Brad Pitt, o que já é por si só algo que merece destaque.


Mas como se não bastassem as indicações, o filme é bom, muito bom. Pra começar, tem uma ótima história. Baseado em um conto de mesmo nome do autor estadunidense F. Scott Fitzgerald escrito no início da década de 20, que conta a história de Benjamin Button, um jovem que nasce com uma estranha peculiaridade: sua vida anda para trás. Não, não se trata de uma metáfora. Ao invés de envelhecer como todo mundo, ele nasce velho e à medida que o tempo passa seu corpo vai rejuvenescendo. A primeira vista parece uma boa idéia imaginar tal história, não? Imediatamente nos vem a curiosidade de saber como ela seria contada em um filme, como de fato funciona isto? Como seria a vida de uma pessoa que, ao invés de envelhecer com o tempo, fica mais jovem. Que tipo de implicações tal fato traria à sua existência, como ele se relacionaria com todos a sua volta?


É extamente a idéia espantosa de ir contra o tempo que nos fascina, e que se torna o grande mote do filme. Logo de cara nos deparamos com tal idéia ao vermos o relógio do Sr. Gateau, e nos espantamos com ela. Isto é apenas um pequeno exemplo do que veremos pela frente. O filme esbanja poesia, nos mostra o quão complexo pode ser o tempo, e que Button não está livre dos medos e problemas que atingem os pobres normais como nós só porque daqui a 10 anos ele irá parecer mais jovem. Mas é interessante observar a dinâmica do filme, como Button convive com esta estranha peculiaridade que o aflige, e como as pessoas a sua volta lidam com ela. Com bom humor e uma boa dose de romance aliada ao drama, Fincher nos conta a história de Button fazendo um filme singelo, belo, de uma leveza estrondosa e uma emoção realista.



E este é exatamente o primeiro grande ponto do filme. Conseguir levar para a tela tal história de forma crível, realista, sem exageros ou fantasias. O segundo está na maquiagem. Se este filme não merecer o oscar de melhor maquiagem, eu não sei o que mais merece. A caracterização dos personagens neste aspecto é simplesmente perfeita. Mal reconhecemos Brad Pitt na pele de um velhote baixinho e enrugado, ou de um adolescente mirrado. Cate Blanchet então está praticamente irreconhecível na pele da Sra. Daisy velha e moribunda, internada em uma cadeira de hospital, ouvindo sua filha ler o diário de Button. E quando jovem, a atriz dá um espetáculo de beleza, parecendo pelo menos uns 20 anos mais nova do que é. A atriz parece uma boneca de porcelana na pele da jovem Daisy. Simplesmente fantástica a caracterização dos personagens deste filme, em suas diversas idades.



E quanto às atuações, foi uma injustiça a indicação de Pitt e terem deixado Blachet de lado. A atriz consegue construir sua Daisy com uma complexidade muito maior do que Pitt o faz com Button. Este se limita a ser um personagem diferente, mas que exige muito mais dos maqueadores do que de Pitt. Mas Blanchet está divina, ela consegue dar vida à personagem, e faz isto de forma que percebamos as várias fases com que passa sua personagem, de uma jovem e imatura bailarina para uma segura e decidida mulher de meia-idade, até chegar a uma vivida, experiente e até certo ponto amargurada senhora, marcada pelas lembranças e pelas privações que o tempo lhe impôs. Merecia com certeza uma indicação, muito mais do que o próprio Pitt.



O terceiro grande ponto do filme está nos detalhes. David Fincher mostrou que é realmente um grande diretor. As minúcias deste filme são um diferencial a mais. O detalhe da história do relógio que anda para trás, uma metáfora que permeia e se mistura com a história do próprio Button; a ironia dele ser criado em um asilo para idosos, quando velho; as pequenas frases e mensagens que nos fazem pensar, refletir sobre nossa vida; as cenas do homem que foi sete vezes atingido por um raio (preste atenção nelas, as cenas são hilárias); a forma de contar a história do atropelamento de Daisy, mostrando um encadeamento de acontecimentos; a alusão à diversos momentos da história cultural estadunidense, como os anos 50, suas motocicletas, jaquetões e óculos escuros, as duas grandes guerras, a chegada da TV e do Rock'N Roll, etc.(recurso já utilizado em Forrest Gump, mas que funciona novamente aqui); ou a história de cada personagem que ele encontra em seu caminho, e as relações que estabelece com eles, tudo isto faz com que se desenrole à nossa frente um rico universo de vivências e experiências de Button, como é nossa própria vida aliás.


E assim O Curioso Caso de Benjamin Button se torna um épico fabuloso, que nos prende à cadeira do início ao fim, e saímos do cinema extasiados e apaixonados por este personagem diferente e fascinante. Como se não bastasse, o filme é conduzido de forma que a história de Button se encontre com a de sua própria narradora, Caroline, que lê o diário de Button para sua mãe, e no final faz com que aquela leitura não seja por acaso, mas atenda a um motivo maior. Assim Fincher consegue construir um filme denso, brilhantemente bem pensado e fantasticamente bem realizado, como há muito não se via.

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