Muitos são os filmes a tratar da evolução da relação entre homens e máquinas, desde o lendário Metrópolis, de Fritz Lang, ainda na década de 20. A maioria traz um retrato caótico e pessimista desta relação, caminhando quase sempre para uma competição ou até mesmo a guerra declarada entre homens e máquinas. Mas uma animação da Pixar trata exatamente deste tema, mas não de forma tão pessimista.
Encabeçando a produção está o simpático Wall-e, o último dos robozinhos responsáveis por limpar nosso planeta do lixo, enquanto a humanidade sai em um cruzeiro pelo espaço, que já dura 700 anos. Esquecido por todos, Wall-e continua sua árdua tarefa de limpar nosso devastado planeta do lixo. Mas tudo muda com a chegada de Eva, um protótipo ultramoderno, que chega para avaliar a situação de nosso planeta. Wall-e então conhecerá um novo mundo, e terá a oportunidade de mudar a forma de viver dos seres humanos, já tão acostumados com as mordomias de seu "cruzeiro", que nem sabem o que é viver na Terra mais.
O filme traz uma crítica inteligente ao modelo de vida imposto pela tecnologia, digna de um Aldous Huxley. Ele mostra uma sociedade totalmente voltada para o consumo, onde as pessoas não tem qualquer outro objetivo a não ser comer, dormir e todo o resto é suprido pelas máquinas. Tal situação chega ao seu ápice com o fato de que os seres humanos sequer se dão ao trabalho de andar, passando a vida inteira em cima de cadeiras eletrônicas que os levam aonde querem, e sempre em frente aos seus computadores, mal se dão ao trabalho de olhar o que há a sua volta. Tanto é que uma das cenas mais emblemáticas da trama é quando Wall-e esbarra em duas pessoas, que obrigadas a deixar de olhar para seu computador, de repente descobrem todo um mundo a sua volta, descobrem o prazer de olhar e até de tocar.
Por conta deste novo estilo de vida, todos os humanos são obesos, e passam os dias a consumir milk-shakes e vitaminas. As pessoas nem sabem mais como era sua vida na terra, já que há muitas gerações vivem assim. Percebemos assim uma crítica sutil às mordomias que a vida moderna nos traz, aqui levadas ao extremo. Outro grande trunfo do filme é seu próprio protagonista: Wall-e. Um robozinho simpático, inteligente, curioso e muito divertido. As cenas iniciais dele sozinho no planeta Terra são excelentes, e a chegada de Eva também proporciona ao nosso heroizinho algumas boas doses de humor. Ele lembra muito o robô que ficou famoso em meados da década de 80, conhecido como número cinco, ou Jonnhy Five, aquele robô dos filmes "Um Robô em Curto-Circuito", com certeza os olhos foram baseados nele.
Mas Wall-e tem aquele diferencial que sempre levantou muitas discussões em filmes deste gênero: sentimentos. É possível uma máquina simular sentimentos humanos, como o amor? Até que ponto uma máquina, um robô pode ser programado para simular tais sentimentos, ou até mesmo senti-los? Tal debate, já levantado em filmes como "Inteligência Artificial", "Eu, Robô", e até mesmo "Matrix", aqui é abordado de uma forma singela, sem grandes levantamentos filosóficos, mas mesmo assim de forma interessante e sem se tornar apelativa. Por tudo isto, Wall-e tem tudo para ser considerado um dos melhores filmes do gênero. Um filme para o público infantil, mas de uma inteligência e crítica que desafia aos próprios adultos, e com certeza trazem um diferencial a esta bela animação.