29 de set. de 2013

Greve mata!

Recentemente, assistindo ao telejornal da TV Anhanguera, afiliada da Rede Globo em Goiás, me deparei com uma matéria bastante chocante. Todos devem ter acompanhado o caso da criança de 10 anos que foi encontrada morta em um parque da cidade, após ter ficado desaparecida por aproximadamente 24 horas. A morte de uma criança é chocante por si só, mas algo que me chamou atenção foi o enfoque dado pelo jornal à morte.


Nas três matérias sobre o caso exibidas na última quinta-feira, dia 26 de setembro, percebe-se um alvo a ser atingido: a greve dos policiais civis e professores municipais que está ocorrendo na capital goiana. Na primeira matéria, que recebeu o título de "Criança de 10 anos é encontrada morta em lago de Goiânia", percebe-se tentativa de criminalização da greve dos policiais civis em Goiás. Atentando a todo momento para a falta de apoio recebido pela família dos policiais em greve (por motivos óbvios), a matéria enaltece a ajuda da guarda municipal e dos bombeiros nas buscas. Mas o mais sintomático foi a fala do jornalista Marcelo Rosa ao final da segunda matéria sobre o caso, intitulada "Perícia começa investigação sobre morte de criança encontrada em lago de Goiânia". Após apresentar a fala dos peritos e uma breve reconstituição do caso, o jornalista cravou o seguinte comentário: 

"Agora não é hora da gente ficar procurando culpados, uma série de fatores contribuíram para esta tragédia, mas o fato é também, e a gente precisa lembrar, que se não houvesse a greve nas escolas municipais, essa menina teria permanecido na escola e não teria desaparecido. Então quem sabe com a presença da escola funcionando a história realmente seria outra." 

O jogo retórico utilizado pela emissora não foi nada sutil desta vez. Na tentativa de criminalizar os movimentos grevistas de trabalhadores no estado, o jornal não se constrange nem em condenar aos professores em greve, imputando a eles a responsabilidade pelo sumiço e consequente morte de uma garota.

Outro exemplo semelhante, mas muito mais escancarado, podemos encontrar neste editorial da Rádio 730. Só pelo título já percebemos até onde vai o peleguismo do jornalismo goiano: "Natália quis estudar. Sindicato impediu. Saiu da escola. Morreu. Quem a matou? O peleguismo sindical brasileiro". No texto, inúmeros absurdos são metralhados contra os professores: acusados de "malfeitores", "bando", "pelegos" e de "acossar o prefeito Paulo Garcia" (tadinho, gente!). Num discurso tosco, ríspido e extremamente apelativo, condizente apenas com o dos piores folhetins da imprensa marrom e, claro, sem assinatura, o editorial termina acusando com todas as letras os professores de serem responsáveis pela morte da menina.

Não é preciso ser muito gênio para perceber a falácia desta argumentação, que de uma forma absolutamente simplista, concebe o universo como uma simples equação de primeiro grau: "a menina foi pra escola, a escola estava fechada, logo a menina ficou na rua e desapareceu, logo a culpa da morte é da escola em greve". Este raciocínio, que apenas na simplória mente de jornalistas como Marcelo Rosa e os da rádio 730 faz todo o sentido, não leva em consideração outras inúmeras variáveis do caso, como por exemplo o fato da menina ter desaparecido no fim da manhã, período em que já teria retornado da aula, o fato dela ter desaparecido da porta de sua casa, como afirma a mãe da menina em reportagem do G1 Goiás:  

"Os vizinhos viram ela jogando bola por volta das 10h. Às 11h, eu liguei e perguntei para o meu filho onde a irmã dele estava. Ele disse que ela estava na porta e eu pedi para ele chamá-la. Quando foi na porta, ela não estava mais lá", relata Marilene.

Esta fala derruba a argumentação dos jornalistas de que, por não ter a escola, ela teria ido para outros lugares e assim facilitado que a morte ocorresse. Ela apenas voltou para casa e sumiu da porta da própria casa, fato que poderia ter ocorrido em qualquer horário e momento, com ou sem a escola funcionando. Mas nada disto importa para os jornais em questão, uma vez que o raciocínio que leva o telespectador a associar a morte da menina à greve dos professores não é um erro de raciocínio. Pelo contrário, os jornalistas que produzem o jornal Anhanguera e a rádio 730 tem plena consciência de que seu discurso não condiz com a realidade dos fatos. O que os leva a sustentarem este discurso é a pura má-fé na tentativa de colocar a opinião pública contra os grevistas.

Esta não é a primeira vez que isto acontece. Em todo período de greve de professores a emissora sempre emplaca reportagens tendenciosas que visam levar a comunidade a ver com maus olhos os professores em greve, e não a questionar o poder público que deveria ser o verdadeiro responsável pelo movimento, uma vez que a falta de estrutura e de condições de trabalho que levam os trabalhadores a entrar em greve é pela falta de investimentos do poder executivo. Mas, como dizem, "a corda sempre arrebenta do lado mais fraco". 

O objetivo de uma greve é pressionar os superiores para as melhorias que são necessárias para que os trabalhadores continuem exercendo suas atividades. E o grande trunfo de uma greve é exatamente os transtornos que ela causa, que, no caso da greve no funcionalismo público, levam (ou deveriam levar) a população a cobrar do poder executivo o saneamento dos problemas denunciados pelos grevistas. Os trabalhadores estão no seu direito de fazer greve, assegurado pela constituição federal (mesmo que o ministério público de Goiás sempre declare as greves de professores ilegal, sem qualquer motivo aparente).

O que mais chama a atenção nesta tentativa por parte da imprensa em perseguir a greve dos professores, é o discurso implícito de que a situação da educação no estado esteja em ótimas condições, e portanto os professores não teriam motivos para fazer a greve. Implicitamente, classificar a greve como "partidária" ou puro "peleguismo", como fez a rádio 730, é dizer isto: que a greve é resultado de questões políticas e partidárias, como se os professores não tivessem motivos reais para fazer reivindicações, e estivessem usando a greve apenas para desestabilizar o governo, servindo de massa de manobra aos sindicatos da categoria. A ingenuidade destes argumentos é evidente, uma vez que basta dar um giro pelas escolas municipais e estaduais de nossa cidade para perceber a situação calamitosa que muitas delas se encontram.  A educação em Goiás está um caos em todos os níveis, e isto é motivo mais que de sobra para os professores entrarem em greve e reivindicarem melhores condições de trabalho. Se a menina tivesse ido pra escola e morrido por um ventilador ter caído em sua cabeça, talvez o discurso da imprensa tivesse sido outro. 

Portanto, quando a população é induzida a ver como problema os trabalhadores em greve e não a falta de investimentos do governo, perde-se um pouco do verdadeiro foco da questão. Passa-se a perseguir as vítimas e não os verdadeiros culpados pela situação. Se a greve está causando transtornos, deveríamos nos unir aos grevistas e cobrar do poder público que resolva a situação, para que os grevistas possam voltar aos seus postos de trabalhos. E não condená-los e persegui-los, associando-os inclusive com a morte de crianças. Mas talvez seja esperar demais de nossa mídia televisiva e radialista, composta de jornalistas sem o mínimo de visão política (falo de uma visão política mais ampla, que analise a sociedade e seus problemas de forma estrutural, e não simplista como fazem), e que não tem qualquer compromisso com produzir análises sérias e mais condizentes com a nossa realidade. 

E assim os jornais anhangueras e rádios 730's da vida seguem criminalizando e perseguindo os trabalhadores, perdendo assim uma ótima oportunidade de debater com a população o direito à greve inerente a todo trabalhador e as responsabilidades do poder público nestes casos. Se devemos encontrar culpados para a morte da menina, não são os professores ou policiais civis em greve, mas sim o poder executivo do estado e do município que deixaram a situação destes trabalhadores chegar a este ponto. 

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