Uma noite dedicada ao passado. Foi assim que me senti ontem. No palco, um grupo de que fez sucesso nos anos 80, e após uma tentativa de carreira solo frustrada de seu vocalista galã, retorna aos palcos para tentar novamente fazer sucesso em cima de seu passado glorioso. Em frente ao palco, uma legião de fãs órfãos da carreira interrompida em busca de resgatar toda uma fase de suas vidas. Ah, os anos 80, esse período que deixou saudades em toda uma geração de balzaquianos que vagam agora em busca de qualquer coisa que lhes traga a magia e áurea desse período.
Neste aspecto, o RPM é praticamente uma lenda oitentista. Seu primeiro trabalho Revoluções por Minuto é talvez o trabalho mais vigoroso e autêntico de todo o rock nacional desse período. A fórmula do rock cru, em alta rotação com pitadas de psicodelia e rock progressivo no uso de teclados e sintetizadores fazia a diferença numa época em que imperava o pop rock quase sem sal de Legião Urbana e afins. Suas letras ativistas, cheias de referências à guerra fria e temas políticos aliadas a outras que tratavam de temas mais, digamos, mundanos, como bebida e mulher eram um prato cheio para uma geração que saia de um período de repressão e dominação ideológica.
Para completar, a presença de um dos melhores frontmans que este país já viu. Paulo Ricardo tinha tudo o que um frontman precisa. Galã para as mulheres, uma voz potente e única (pra mim uma das melhores vozes do rock nacional), a banda tinha tudo pra estourar e ser um sucesso absoluto de público. E foi. Durante pouco tempo. Seu primeiro trabalho vendeu mais de 300 mil cópias, rendendo um disco de ouro e outro de platina. Mas após o lançamento de mais dois álbuns, um ao vivo e um disco de inéditas que não conseguiu manter o sucesso junto ao público, e após vários desentendimentos entre seus integrantes sobre os rumos que a banda devia tomar, acabam se separando em 89.
Após isso Paulo Ricardo começa sua carreira solo, e lança um fiasco após o outro. Sua carreira solo é marcada por um estilo, digamos, mais pop brega romântico, se afastando da rebeldia que marcou seu início de carreira. Agora que estão de volta, a dúvida é que RPM é esse que estamos diante? E uma parte dessa pergunta começou a ser respondida pra mim no show de ontem realizado em Goiânia. Entre os presentes, saudosistas junto com jovens que sequer viveram os anos 80 e mal sabiam do que se tratava o RPM, atraidos simplesmente pela presença de Paulo Ricardo. E o que vimos no palco foi um pouco disso tudo.
Como soar oitentista em plenos anos 2010? Afinal, era isso que a maioria tinha ido ali buscar. A banda começa com uma música nova, que aliás foi repetida no final do show, talvez como uma estratégia de fazer o público se acostumar com ela. Difícil definir que caminho segue o RPM ouvindo esta nova canção. De cara, eu arriscaria a dizer que eles seguem mais o estilo do álbum Quatro Coiotes, ou seja, um rock mais cadenciado e psicodélico, e menos "alta rotação" como no primeiro álbum (baixe as músicas novas). De qualquer maneira, nada daquela fase romântico-brega de seu vocalista. Ainda bem
Os caras mostraram muita desenvoltura no palco e conseguiram agradar. Todos os sucessos que queríamos ouvir estavam lá, Louras Geladas, Revoluções Por Minuto, Juvenilia, Olhar 43, Rádio Pirata, com direito a cover de Light My Fire do The Doors, e também músicas de seu segundo álbum, como a cover do Secos e Molhados, Flores Astrais, e a baladinha London London, em que Paulo Ricardo e Luis Schiavon fazem um dueto vocal-teclado. No bis fomos obrigados a ouvir Vida Real, música que ficou famosa ao integrar a abertura do Big Brother e única ressalva que faço à escolha do repertório (deviam banir essa música de seus shows).
Mas no geral o show convenceu, agradou e mostrou que talvez o RPM ainda tenha uma chance. Para isto, basta lançarem um novo trabalho consistente e convincente, com um novo vigor, músicas novas mas sem deixar de lado a pegada oitentista que marca a banda, e não fazer como outros grupos por aí que simplesmente caíram no pop farofa e sem personalidade.