Filme insano, nonsense. Acho que por isto agrada tanto. O cenário, os personagens, a fotografia, a bunda, a trilha sonora, o segurança, tudo neste filme é estranhamente cativante. Cenas esdrúxulas, díálogos sem sentido, situações mal explicadas. Tudo isto recheado de um cheiro horrível. Assim é o Cheiro do Ralo, filme baseado na obra homônima de Lourenço Mutarelli, que conta a história do personagem Lourenço, dono de uma velha loja que compra e vende objetos usados. Um dia ele se apaixona pela garçonete da lanchonete da esquina. Quer dizer, Lourenço não se apaixona pela garçonete como um todo, mas somente por sua bunda. É isto mesmo, o cara se apaixona por uma bunda. Ao mesmo tempo, tem que aguentar o cheiro do ralo de seu banheiro, que empestea o lugar todo.
Aos poucos vamos conhecendo melhor Lourenço, um cara frio e insensível. Em poucas palavras ele explica como se tornou assim: para ter algum lucro, Lourenço tem que convencer as pessoas que o procuram a vender seus objetos por um preço menor do que o que eles valem. No começo ele tinha pena das pessoas, mas logo percebe que não podia ter pena, ele tinha que ser frio. E esta frieza só foi aumentando cada vez mais. É a frieza que está estampada em cada atitude e gesto de Lourenço. Ele não se importa com as pessoas que vão à sua loja, desesperados, tentando vender seus valiosos objetos de valor sentimental, suas relíquias e jóias de família para tentar conseguir algum dinheiro. Ele não se importa com ninguém à sua volta. Sequer sabe seus nomes. Tudo para ele gira em torno do comércio. Ele se compraze em comprar a última esperança das pessoas, e aos poucos dezenvolve um estranho prazer em vê-las abdicar de sua dignidade em troca de uns míseros trocados.
Desta forma o filme consegue fazer um retrato da mesquinhez humana. De um lado o comprador que se aproveita do desespero das pessoas, e do outro o vendedor, que se submete a qualquer coisa para obter o dinheiro. E no meio de tudo isto, a bunda. Lourenço se torna obcecado por ela. Mas ele não quer ter a mulher. Ele quer apenas a bunda, ele quer pagar por ela. A bunda, assim como as pessoas, se torna apenas mais um objeto que ele pode comprar e vender. "O poder é afrodisíaco". É assim que Lourenço vive. O fato de as pessoas o procurarem em caso de necessidade lhe dá um poder especial, e este poder o excita, faz com que se sinta o máximo.
Mas Lourenço fede. Fede como um grande ralo cheio de merda. O ralo é o último escoadouro, é para onde tudo o que não serve mais vai. E é lá que encontramos Lourenço. Lourenço vive num imenso ralo. E para lá vão todas as pessoas que não tem mais esperança, dispostas a abrir mão de sua dignidade em troca do dinheiro de Lourenço. É para lá que vai toda a merda que produzimos. E é de lá que vem o Cheiro do Ralo.