O homem sempre teve mania de imaginar seu futuro. Desde Júlio Verne, ou talvez até antes dele que gostamos de inventar, imaginar, conceber um futuro diferente, cheio de máquinas supermodernas e tudo o que a nossa imaginação puder alcançar. O fato é que, mesmo com tanta criatividade, nem sempre as concepções deste futuro são muito promissoras. É o caso por exemplo das três histórias aqui em questão. Tratam-se de retratos caóticos, dentro do ramo da ficção científica, de um futuro de valores totalmente invertidos, em que o homem é um mero prisioneiro do sistema por ele mesmo criado.
Nossa primeira história está contida no livro Admirável Mundo Novo, uma obra clássica de ficção científica escrita em 1930 por Aldous Huxley. Nesta obra magnífica, Huxley descreve um mundo dominado pelo Fordismo, em todos os seus aspectos, e voltado exclusivamente para o consumismo. Os homens são criados em laboratórios para atender à demanda de trabalho nas indústrias, são criados em série, e condicionados conforme sua classe. Os das classes mais altas, fabricados para executar cargos mais elevados são os Alfas e Betas. Os das classes mais baixas são os Deltas, Gamas e Ípsilons, que têm uma formação limitada, são condicionados a não pensar muito, e durante a gestação recebem menos oxigênio para limitar sua inteligência. O resultado são seres apáticos, que não pensam e portanto não questionam nada, mão-de-obras perfeitas para os trabalhos mais pesados.
Além disto, todos são condicionados através de um processo chamado de hipnopedia, que é a repetição de frases durante o sono, a consumir, a sempre querer coisas novas e jogar fora suas velhas. O amor é considerado antisocial, todos são condicionados a sempre sair com uma pessoa diferente, pois manter um relacionamento com uma pessoa por muito tempo é mal visto socialmente. Para evitar a depressão, doses e mais doses de uma superdroga chamada de Soma, utilizada para suportar a realidade vazia e opressiva. A história da humanidade é totalmente ignorada e manipulada por uma minoria, ninguém sabe como era o mundo há trinta anos, a não ser pelas histórias contadas pelo líder mundial, que distorce totalmente os fatos.
Neste cenário totalmente nefasto, entra em cena Bernard Marx, um personagem que não consegue se adaptar a tudo isto, e sonha com um mundo livre, sem os condicionamentos de seu mundo, ao mesmo tempo em que não consegue escapar desta sociedade manipuladora. Um belo dia ele e sua colega Lenina Huxley fazem um passeio nas reservas do Novo México, um lugar isolado do novo mundo, onde vivem os selvagens, índios e pessoas que levam a vida no velho estilo, sem tecnologia, que ainda envelhecem e têm filhos de forma natural, enquanto no novo mundo a liberdade do homem é posta em cheque em nome do consumo, tudo gira em torno dele. Lá eles conhecem John, um selvagem que acabará entrando em profundo conflito nesta sociedade civilizada. Levado pelos dois até a Inglaterra civilizada, Jonh logo perceberá as contradições deste novo mundo, onde a ciência, a arte, a história e a religião são substituidas pelo condicionamento e a predestinação das pessoas, além de doses e mais doses de soma, e fará de tudo para fugir desta civilização vil, cruel e desumana.
Este é o mesmo caso do filme THX 1138, primeiro longa-metragem do diretor George Lucas, um clássico dos filmes de ficção científicas, lançado em 1970. A sociedade idealizada por George Lucas é bem próxima daquela desenvolvida no Admirável Mundo Novo. Aqui também tudo gira em torno do consumismo, as pessoas são sempre aconselhadas a comprar para ser feliz. A vida delas se resume a ir para o trabalho e voltar para casa, onde moram sempre com um parceiro ou parceira. Todos são obrigados a tomar altas doses de sedativos, e aqueles que não o tomam ou tentam enganar o sistema tomando remedios diferentes são acusados de crime farmacológico, e presos. O amor e o sexo também são considerados crimes graves, e aqueles que o praticam são presos, julgados, e condenados ao exílio.
Isto é o que acontece com o personagem principal interpretado por Robert Duvall, THX 1138 (isto mesmo, os nomes das pessoas aqui são apenas códigos), que após descobrir o amor nos braços de sua parceira de quarto, LUH 3417 (Maggie McOmie), acaba sendo preso e condenado ao exílio. Lá ele irá começar a refletir sobre sua vida, e acaba chegando à mesma conclusão que John, ou seja, que sua sociedade aprisiona a todos, tirando sua liberdade. Ele tentará então de todas as formas escapar deste mundo cruel, e sua única opção é fugir para a crosta, onde vivem estranhas criaturas selvagens, num mundo totalmente bárbaro.
Do mesmo modo, o filme Brazil, de 1985, conta a história de Sam Lowry, interpretado por Jonathan Pryce, um funcionário do Ministério da Informação, em um mundo dominado pela tecnologia e mais do que tudo, pela burocracia. Apesar do nome, o filme tem pouco a ver com o nosso país, a não ser pela trilha sonora de Aquarela Brasileira, e pela completa burocracia que domina tudo, que me lembrou muito as várias e várias horas de espera, preenchimento de formulários e visita a guichês diferentes para tirar uma carteira de motorista, por exemplo, ou simplesmente tirar uma guia de consulta no SUS. Mas o teor da crítica aqui é bem diferente das outras duas histórias, já que aqui o diretor Terry Gillian (o mesmo das séries Monty Python), recorre ao humor e ao exagero extravagante para expor sua visão de um mundo completamente caótico, sombrio e desumano. Sam é o personagem que não se encaixa nesta sociedade, e sonha com a liberdade.
Tudo começa a mudar quando por um erro banal, um homem inocente, Buttle, é torturado e morto, confundido com um terrorista. Este erro inicial acabará levando Sam, que é funcionário do Ministério da Informação, responsável pela investigação dos suspeitos de terrorismo, a tentar corrigir uma série de equívocos provocados por este erro. Neste meio tempo ele conhece o verdadeiro terrorista, Tuttle, interpretado por Robert de Niro, num de seus papéis mais estranhos, e a mulher de seus sonhos Jill (Kim Greist), que passa a ser perseguida pelo Departamento de Recuperação de Informações por ser testemunha do desaparecimento do inocente Buttle. Sam então parte em uma busca desesperada para salvar Jill das garras de seus superiores, mas acaba descobrindo que o sistema é muito mais cruel do que poderia imaginar. A questão do consumismo aqui também é bastante forte, basta citar que aqueles que estão sendo investigados pelo Ministério da Informação têm que arcar com os custos de seu processo. Aliás, isto também acontece no caso do THX, todos os custos do julgamento, manutenção e eventuais perseguições aos criminosos são descontados deles próprios, o que acaba inibindo vários crimes.
É interessante notar como estas três histórias se confundem, e apresentam um retrato de uma sociedade cruel, que ao mesmo tempo em que apresenta uma teconologia avançada, do ponto de vista dos relacionamentos humanos têm concepções totalmente distorcidas, transformando o homem num prisioneiro, controlado de todas as formas pelo sistema, e totalmente condicionado a comprar para ser feliz. E assim os três personagens aqui citados, tanto Jonh, quanto Sam e THX são os produtos defeituosos deste sistema, aqueles que não conseguem se adaptar ao meio, que sentem que há algo errado, e farão de tudo para escapar das garras deste sistema.
Mas, se olharmos bem para a condição do homem nestas três histórias, perceberemos que elas no fundo nada mais são do que paródias para o mundo em que vivemos. A questão do consumismo, dos condicionamentos, da fuga da realidade através das drogas, dos relacionamentos cada vez mais fragilizados, tudo isto são questões presentes em nosso próprio mundo, do qual alguns de nós tenta em vão escapar. Desde pequenos somos condicionados a sempre querer mais, a comprar, gastar, consumir, a querer, libertar nossos desejos, e assim gastamos cada vez mais com coisas que nem sequer precisamos. Vivemos em um mundo de realidades vazias, e para suportá-la nos anestesiamos, buscamos refúgios, fugas, escapes, seja nas drogas, na religião ou em qualquer outro artifício que utilizamos para suportar nossa realidade. No fundo, estas histórias não passam de críticas a nós mesmos, a nosso estilo de vida e a tudo o que a modernidade trouxe ao homem, tornando-o prisioneiro de si mesmo, prisioneiro de suas vontades e desejos. Vivemos em uma gaiola de ferro, e pouco podemos fazer para furgir dela. Talvez não haja escapatória para nós, a não ser romper com tudo isto. Mas será que estamos dispostos?!?...