1 de jun. de 2013

O tal João de Santo Cristo


Adaptações de livros para filmes sempre tem que ser observadas com cautela. A riqueza de informações que permite a literatura nem sempre consegue ser bem reproduzida na linguagem cinematográfica, quase sempre causando raiva entre os fãs da obra literária. E se a adaptação for de uma música então? As dificuldades são ainda maiores. Cada meio tem sua linguagem própria. Livros, games, músicas e filmes guardam suas individualidades, o que faz com que a passagem de uma história de um meio ao outro necessariamente gere alterações e adaptações. 

E o filme Faroeste Caboclo, baseado na música da Legião Urbana, não é muito diferente disto. Como afirma o grande crítico de cinema Pablo Villaça, o filme tem que funcionar independente da obra que lhe deu origem, seja ela livro, game ou neste caso, música. Mas as comparações com a obra original são sempre inevitáveis, e devem servir para ampliar a visão do mesmo. É o que tentarei fazer aqui. 


O filme traz grande méritos. A ambientação da Brasília dos anos 80 ficou bem legal: as festinhas dos playboys que só queriam fumar maconha, de onde vem a personagem Maria Lúcia, a migração para a capital federal, que acabava nas periferias da cidade, como é o caso do próprio João, que vai morar em Taguatinga, cidade periférica do Distrito Federal. Os personagens da música também estão todos lá. João, o protagonista, ficou muito bem caracterizado na pele de Fabrício Boliveira, que dá um show de interpretação. Ísis Valverde empresta sua beleza a Maria Lúcia, a jovem que encanta nosso herói. E o destaque fica só na beleza mesmo, já que a atuação dela não vai além do básico. É o tipo de atriz global que se escala pra chamar atenção do grande público para o filme mesmo e só. César Troncoso vive o primo peruano que vivia na Bolívia, e que traz a Winchester 22, Pablo. E Felipe Adib faz Jeremias, o traficante concorrente de  João e vilão da trama. Ainda temos no filme os atores Flávio Bauraqui vivendo o Pai do João, Marcos Paulo faz o pai de Maria Lúcia e o sempre excelente Antônio Caloni que faz o papel de um policial corrupto que protege Jeremias. 



A história é fiel à música, mas simplifica em muito a trajetória de João. O grande mote da trama é o amor de João pela patricinha Maria Lúcia. Desde o início ele se vê no dilema entre tentar se manter no caminho honesto para viver bem com a amada, e a necessidade de sobreviver e ganhar dinheiro. Mesmo tentando viver honestamente, João se vê obrigado a se aliar com Pablo e enfrentar os traficantes da cidade. E este caminho levará ao desfecho que conhecemos na música. A infância de João na cidade de Santo Cristo, uma das marcas da música, foi acertadamente ignorada, centrando-se apenas no essencial: a morte de seu pai e sua ida pro reformatório. O início de suas atividades como traficante também foram bem trabalhadas, embora pudessem ter dado maior ênfase no trecho em que diz que "agora o Santo Cristo era bandido destemido e temido no Distrito Federal, não tinha nenhum medo de polícia, capitão ou traficante, playboy ou general". Apesar de se tornar bandido e começar a traficar no DF, João não se torna um bandido temido, mas continua sendo o peixe pequeno que apenas atrapalha o negócio dos grandes, simbolizado por Jeremias. 



Mas o maior erro do filme fica por conta da caracterização de Jeremias. Na música, Jeremias é um bandido cruel, sanguinário e inteligente, que pra acabar com Santo Cristo e dominar o tráfico em Brasília, age da pior forma possível, atacando o ponto fraco de nosso herói: Maria Lúcia. Ao conquistá-la, ele desperta o ódio e a fraqueza de João, que acaba entrando num duelo suicida contra o traficante. No filme, Jeremias é um playboy bundão, que não age sem seus capangas e sem o policial que lhe dá cobertura. O personagem ficou bastante caricato e destoa do restante do elenco, especialmente Antônio Caloni e Fabrício Boliveira, que dão show na composição de seus personagens. O Jeremias de Felipe Adib é irritante, infantil e medroso, muito diferente do vilão da música. 


No fim das contas, a impressão é que o roteiro da música é muito mais rico do que o do filme. De todo modo, o filme valeu a pena por dar rosto a João de Santo Cristo e voz a uma história de amor e luta pela sobrevivência, além de servir como uma grande homenagem à Legião Urbana, uma das principais bandas de rock de nossa história. 

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