
Satanás, capeta, demônio, tinhoso, diabo, cão danado, enfim, são diversos os nomes que ele recebe. Mas uma coisa é unânime: a figura do coisa-ruim no Brasil têm interpretações variadas, que vão do caricato ao diabólico propriamente dito. O fato é que o Diabo como personificação do mal absoluto, conforme a concepção cristã o pinta, no Brasil nunca vingou de todo. São vários os relatos ao longo de nossa história colonial de casos em que o diabo era adorado, invocado e até confundido com figuras brincalhonas e personagens malandros de nosso folclore, como o próprio Saci-Pererê, o Zé Pelintra, Pedro Malasarte, entre outros.
A noção de bem e mal sempre permeou o imaginário humano. Durante a antiguidade, os principios de mal e bem estavam diluidos em suas divindades, como é o caso mais conhecido dos deuses gregos e romanos, concebidos com características humanas, como amor, ódio, inveja, ou seja, tanto características boas quanto más. Uma das primeiras religiões a surgirem com a divisão entre o bem e o mal foi o Zoroastrismo, na Pérsia, na qual Ahura Mazda é a divindade suprema, criador de todas as coisas boas, enquanto Ahriman é o principio destrutivo e maligno.

Em várias outras religiões a idéia de um deus para representar o mal absoluto é totalmente desconhecida. É o caso da religiosidade de um povo africano que influenciou a formação de nossa identidade nacional brasileira: os povos nagôs, ketus, ijexás, efans e vários outros que habitavam a região da Iorubalândia, região que atualmente está localizada entre os países do Togo, Benim e Nigéria, e que eram marcados pelo culto aos Orixás. Os Orixás são um conjunto de divindades cultuadas por estes diversos povos, dotados de características humanas, e que não possuem uma ética cristã, ou seja, trazem dentro de si princípios positivos e negativos.

A figura do Diabo no Brasil colonial passa a agregar uma série de personagens contraventores, e representar em alguns casos um símbolo de resistência ao opressor colonizador. Assim é que se multiplicam por aqui os casos de pacto com o diabo, e de pessoas que preferem recorrer a ele para fazer pedidos do que aos santos católicos, considerados bons demais para atender certos tipos de pedidos.Tanto Exu quanto o Diabo se tornam assim figuras emblemáticas do imaginário brasileiro, atendendo aos pedidos e realizando aqueles desejos mais íntimos, geralmente relacionados a aspectos do ser humano que na tradição cristã são relegados, suprimidos e reprimidos, como o sexo, questões de dinheiro, amor, política, entre outros. Assim, enquanto Exu ganha características diabólicas, o Diabo também se exuniza, ganhando características do Exu.



Exu ou Diabo, o fato é que estes dois personagens fazem parte de nossa cultura, e no imaginário popular ganham contornos menos maléficos do que na concepção cristã ortodoxa, se transformando em figuras que podem ser invocadas, negociadas, e às vezes até se transformando em personagens brincalhões, que gostam de pregar peças nas pessoas, como nas histórias do bom e velho Saci. Tudo isto é fruto de uma importante ressiginificação ocorrida com estes personagens ao longo de nossa história, que os transformaram em verdadeiros símbolos de nossa cultura aviesada. Para o bem ou para o mal.