29 de jan. de 2010

Made in Brasil


Há tempos temos assistido uma verdadeira revolução dentro do cinema nacional brasileiro. Produções cada vez melhores, mais bem produzidas, com melhor conteúdo e atores cada vez mais competentes e profissionais. Todas estas características podem ser percebidas nas últimas produções realizadas em nosso país, quase todas de alto nível. É importante ressaltar que nosso cinema trilha caminhos próprios, não se preocupando em seguir o modelo hollywoodyano de fazer cinema, se tornando assim um modelo de cinema alternativo latino-americano, o que é muito interessante.


Seguindo esta trilha podemos citar por exemplo a comédia Saneamento Básico, filme de Jorge Furtado, que parte de um enredo bastante inusitado. Em uma cidade do interior, um grupo de moradores se reúne para reinvindicar do prefeito da cidade um fosso para canalizar o esgoto, que corre a céu aberto causando muito mal-cheiro e doenças. Mas descobrem que só há verba do governo federal para a produção de um filme. E eles resolvem então produzir o filme para conseguir o recurso. E é ai que começam todas as confusões. O mais legal é que o filme faz uma análise de todos os passos para se produzir um filme, desde a confecção do roteiro, passando pela seleção de personagens, gravação das cenas até chegar à edição e conclusão do filme, tudo com muito bom-humor, claro. A crítica social também conta nestas horas, e é engraçado ver como o poder público se apropria da iniciativa dos moradores. Tanto é que o prefeito da cidade só aparece para fazer propaganda em cima das obras, nada mais. Bem típico.

Outro filme muito interessante é o Tapete Vermelho, que faz uma homenagem a um grande personagem de nosso cinema: o caipira Mazzaropi. No filme, Mateus Nachtergaele interpreta um caipira que é fã de Mazaroppi. Ele resolve um dia levar a mulher e o filho para assistir a um filme dele no cinema. Eles partem então por várias cidades em busca de um cinema que exiba o filme que tanto querem. Esta viagem irá se transformar numa aventura, à medida que o grupo tem que ir para cidades maiores em busca do cinema. O filme faz uma contraposição entre os valores tradicionais e modernos, ao colocar um caipira, que mora numa fazenda distante, com sua sabedoria própria, em contato com a modernidade, e as dificuldades e conflitos decorrentes deste contato. Mateus Nachtergaele está perfeito no papel, utilizado o jeito de falar e os trejeitos do próprio Mazaroppi para compor seu personagem. Em meio a tudo isto, elementos do folclore brasileiro não deixam de estar presentes, como a figura da benzedeira, os feitiços e o próprio tinhoso aparecem, compondo um cenário em que o imaginário popular do homem do sertão é retratado.

Saindo um pouco da linha da comédia, Lavoura Arcaica, filme de Luiz Fernando Carvalho, baseado na obra de Raduan Nassar, é sem sombra de dúvidas a maior obra-prima do cinema nacional já realizada. O filme é belíssimo, muitíssimo bem produzido, fotografia, trilha sonora, produção, tudo impecável. Além disto conta com textos e diálogos poéticos, uma narrativa rebuscada, é praticamente uma ópera falada, como o próprio diretor coloca. Além dos atributos estéticos, líricos e sonoros já destacados, o filme é de uma temática violenta, contraventora, a-moral, e vai fundo na crítica aos valores tradicionais, como a família, a religião e o amor, ao mostrar a infância e adolescência de André, jovem de família patriarcal que sofre com o autoritarismo do pai e o amor sufocante da mãe, além de sofrer uma paixão incestuosa por sua irmã Ana. Ao se confrontar com a recusa deste amor, André se depara com tudo o que o pressionava, e decide romper com tudo. Incompreendido por todos, especialmente por seu pai, que não vê os motivos de sua fuga, pois não enxerga que por trás da aparente sustentação familiar se esconde um sistema opressor do qual André pretende fugir. Em meio a tudo isto, as lembranças de André nos ajudam a entender o motivo de sua fuga, a aparente tranquilidade da vida na fazenda quebrada por seus arroubos de paixão e seus diálogos incendiários, a aparente força da família bem estruturada dilapidada pelo extremo autoritarismo do pai, que não compreende a insatisfação do filho.

Mas este não é um filme fácil. Denso, com uma linguagem rebuscada que às vezes beira o lirismo extremo, com seus diálogos declamados e seus textos injetados de emoção, recheado de cenas fortes, diálogos poéticos e ao mesmo tempo críticos, Lavoura Arcaica é um épico brilhantemente construido e que merece ser visto com muita atenção em suas quase três horas de duração. Além de tudo isto vale destacar as belíssimas atuações de Selton Mello, Leonardo Medeiros, Simone Spoladore e o sempre competente Raul Cortez, que dão mais vigor ainda à trama. São por estas e outras tantas produções que o cinema nacional têm se fortalecido nos últimos anos, e promete se fortalecer ainda mais. Esperemos que ele continue crescendo em qualidade e quantidade, e que continue a nos brindar com excelentes produções como estas aqui citadas.

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